por Zé da Silva
Capricórnio
Um tiro em cada mão. A Glock ficou em silêncio – e ele também. Só olhava o bandido e dizia para si mesmo que um dia… Mandaram ele andar. O bando estava no mocó e todos cheirava as carreiras de farinha como nunca. Saiu pelas vielas com espinha ereta e os braços estendidos ao lado do corpo. O sangue escorria e manchava as pernas da calça clara. Ele parecia não sentir dor. Olhava em frente e era seguido por olhos dos moradores dos barraco. Cochichavam. Ele não sabia o que fazer porque não tinha ninguém a quem pedir ajuda. E tinha medo da polícia. Iam fazer perguntas demais. Se fosse para um pronto-socorro, também. Tentou mexer as mãos para ver se os buracos não tinham afetado os movimentos. Achou que teve sorte. Mas a dor foi imensa. Andou o mais rápido que pode e não entendia o porquê do castigo. Não fez nada fora das regras ditadas pelos traficantes. Morava sozinho e não incomodava ninguém. Aí lembrou que há pouco tempo olhou rapidamente uma linda e jovem morena. Depois o alertaram que era a namorada do chefão. Um olhar. Dois tiros. Foi a última coisa que lembrou. Desmaiou e ninguém foi socorrê-lo naquela viela. Estava bem próximo da saída da favela. Enquanto caía perto do esgoto a céu aberto, uma senhora fechou a janela ali perto e, lá dentro, disse baixinho: “Coitado do Jesus!”