18:01De ontem ou de hoje

por Janio de Freitas

Ainda em circuito privado, mas já com muita nitidez, empresários influentes têm emitido sinais crescentes de preocupação com a tendência de agravamento da situação econômica e esperáveis decorrências de fermentação nos setores trabalhistas prejudicados.

A convicção de que a modalidade de “ajuste econômico” iniciada é mais lenta do que conviria, além de implicar repetidos episódios de dificuldades políticas com a Câmara, leva as análises a um encaminhamento frequente: “É preciso procurar um entendimento entre os dois lados”. O sentimento de urgência é outro ponto em comum.

Sintomática da apreensão que se expande foi uma roda formada na festa de Marta Suplicy, sem políticos e com pessoas cuja representatividade ultrapassa os respectivos setores. Constatada a concordância sobre as perspectivas da situação, já com paralisação de importantes atividades industriais, como a construção naval, obras interrompidas, risco acelerado de quebras e o desemprego crescendo aos milhares a cada dia, o drama desembocou em uma hipótese bem aceita: não seria possível chegar a um encontro de Lula e Fernando Henrique para construírem o entendimento?

Esta narrativa de um dos presentes reproduz só um momento atual. Também retrata cenas repetidas dezenas, talvez centenas, de vezes, nos primórdios da ação que levou empresários a se aproximarem, entre inúmeras cidades, nas pressões progressivas pelo fim da ditadura. Mais do que importante, foi um movimento decisivo para apressar o colapso ditatorial e para encaminhar o modo sem violências da transição. Apesar disso, o movimento e suas principais figuras jamais são lembrados, não o foram nem nas recentes rememorações nos 30 anos da saída do último general-ditador para o que seria a posse de Tancredo e foi a de Sarney.

Pode alguém pensar que a ideia dos convivas não tem sentido porque os tempos são outros. Engana-se. No Brasil, os tempos são os mesmos. O próprio tema da roda de conversa o comprova. Outras são as figuras, as lá presentes e os dois citados, estes, por sinal, contemporâneos daquele passado.

Mas Lula, comparado com sua dimensão política, é quase um ausente. Guarda-se para futuros possíveis? Também está confuso, como o restante do PT? Age em sigilo? E Fernando Henrique, que não faz muito tempo desancou Lula por não se distanciar da política como ex-presidente, tem aparecido todos os dias com declarações políticas. Mas da maneira tergiversante que agora mesmo o levou, por exemplo, a admitir conversar com Dilma como conversa “com qualquer um”, e, no dia seguinte, negar a possibilidade para não ajudar “o que não deve ser salvo”.

Não seria inteligente, porém, depreciar a inquietação de empresários graúdos. Por ora apenas incipiente, essa, quando atua, é uma das mais poderosas forças nacionais. Das conversas entre governo e PMDB é que não sairá entendimento capaz de ir além das conversas e das declarações. Como logo se verá com o que espera o primeiro projeto-Levy entregue à apreciação parlamentar.

UM DIA

Cláudio Marzo fica entre as lembranças especiais.

Proibido qualquer ato no primeiro Dia do Trabalho pós-AI-5, alguns resolvemos não nos submeter à proibição. Atores, escritores, jornalistas, os chamados intelectuais, trocamos contatos para uma manifestação de 1º de Maio no Campo de São Cristóvão, região operária no Rio. Fui o autor do texto a ser lido, e desejamos uma pessoa notória para lê-lo. Pedir a alguém que o fizesse, dados os riscos até de emprego para os atores, não era fácil. Nem foi o caso.

Às três horas, o pessoal começou a chegar. Quando considerávamos a leitura, Cláudio Marzo pediu o papel, leu-o uma, duas vezes, e apenas me disse: “Gostei. Eu leio”.

Na hora, subiu ao coreto da praça e, sereno e firme, fez uma leitura magnífica.

Era ainda mais do que um grande ator.

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