7:47O que pensa o chefe da força-tarefa que investiga o Petrolão

Da Folha de S.Paulo, em entrevista a Mario Cesar Carvalho

Procurador da Lava Jato quer revisão de leis

Para coordenador da força-tarefa do Ministério Público, corrupção precisa de punição que desestimule empresas

Deltan Dallagnol diz que a operação da PF causou surpresa porque revelou crimes difíceis de serem provados

A Operação Lava Jato completa um ano na próxima terça-feira (17) com números superlativos: já recuperou cerca de R$ 500 milhões de recursos desviados da Petrobras, colocou sob investigação 50 políticos e levou para a prisão executivos de empreiteiras.

O procurador Deltan Dallagnol, 35, que coordena a força-tarefa do Ministério Público Federal responsável pelas investigações, diz querer mais. Em entrevista à Folha, feita por e-mail, ele afirma que os procuradores pretendem que a Lava Jato “sirva de alavanca para mudanças legislativas em nosso sistema político e no de Justiça criminal”. Leia a seguir trechos da entrevista.

RESULTADO EXPLOSIVO

A comprovação de tantos fatos tão graves, envolvendo simultaneamente a cúpula econômica e política do país, é algo inédito na história. A grande surpresa decorre do fato de que a corrupção é um crime dificílimo de ser provado e da rapidez com que as investigações avançaram.

Esse crescimento exponencial do caso decorreu, em boa medida, do emprego efetivo de colaborações premiadas pelo Ministério Público. Mas o sucesso também decorre da experiência, da qualidade técnica e da sinergia entre as equipes do Ministério Público, da Polícia Federal e da Receita que trabalham no caso, bem como da atuação firme e imparcial do Judiciário.

PROTESTO E CORRUPÇÃO

Os protestos contra o governo decorrem de um conjunto de condições, como crise econômica e equilíbrio entre candidatos na última eleição, dentre as quais se inclui a comprovação do maior esquema de corrupção de que já se teve conhecimento na história do país. O caso indica, contudo, que a corrupção é um fenômeno pluripartidário, o que corrobora a noção difusa de uma crise moral de nossa política. A Lava Jato até agora indignou, mas não transformou o país. Se queremos evitar que a história se repita, precisamos de mudanças legislativas urgentes sobre o processo político e o sistema de Justiça criminal.

DELATORES

A colaboração é uma técnica especial de investigação que tem um papel importante na demonstração da corrução em atos e contratos públicos, o que é um crime dificílimo de ser descoberto e provado. A corrupção é feita entre quatro paredes e envolve um pacto de silêncio entre corruptor e agente público corrupto. Devemos lembrar também que os corruptos escondem a propina que receberam em paraísos fiscais que só cooperam quando tivermos prova da corrupção, a qual não alcançamos sem a cooperação. Mesmo quando descobrimos que o agente público tem muito mais dinheiro do que ele ganhou oficialmente ao longo da vida, é extremamente difícil descobrir quais foram as práticas corruptas em que se envolveu.

Enquanto não for criado o crime de enriquecimento ilícito pelo Congresso, não será possível punir o agente público que tenha uma fortuna ilegal se não conseguirmos identificar quais foram os atos corruptos. Nesse contexto, a colaboração se mostra amplamente favorável ao interesse público. A colaboração deve, contudo, ser revestida de cautelas, como o reconhecimento de valor probatório à palavra do colaborador só quando esta for corroborada por outras provas.

DIREITO AMERICANO

Devemos importar institutos norte-americanos só quando favoráveis à sociedade e compatíveis com nosso direito. Um exemplo é o acordo de colaboração premiada clausulado, que não era previsto em nossa lei até 2013, mas já tinha sido empregado por 17 vezes no caso Banestado, entre 2003 e 2007.

Quanto ao direito brasileiro, precisamos de reformas e com urgência. A luta bem sucedida de Hong Kong contra a corrupção, um exemplo internacional de prevenção e combate, foi baseada em três estratégias e uma delas foi exatamente a punição séria e em tempo razoável desse crime. Em razão dos problemas do sistema de justiça penal brasileiro, em que a corrupção é punida após mais de década e com penas baixas, a corrupção é um crime de alto benefício e baixo risco. Se queremos baixar os índices de corrupção, devemos torná-la um crime de alto risco, sem desprestigiar os direitos dos réus.

O que desejamos é que o caso Lava Jato não sirva apenas como diagnóstico de uma doença sombria que corrói as entranhas da República, mas que sirva de alavanca para mudanças legislativas em nosso sistema político e no de Justiça criminal.

PRISÃO DOS EMPREITEIROS

A prisão se justifica para proteger a sociedade e a economia contra a continuidade da prática de crimes extremamente graves. A deflagração da Lava Jato em março de 2014 não foi suficiente para estancar pagamentos de propinas –continuaram sendo feitos, pelo menos, até o fim de 2014. Essas empreiteiras mantêm inúmeros contratos com os poderes públicos federal, estadual e municipal. A única alternativa à prisão seria a suspensão de todos os contratos, o que poderia prejudicar a população, que seria ainda mais vitimada.

PRISÃO PARA FORÇAR DELAÇÃO

O argumento de que prendemos para obter colaborações é desconectado da realidade. Dos 12 acordos que fizemos e já são públicos, dez foram feitos com pessoas soltas que jamais foram presas. Os dois restantes foram feitos com pessoas que estavam presas e continuaram presas após o acordo. As prisões foram submetidas a intenso questionamento. Já temos 165 habeas corpus, uma espécie de recurso, e em uma única situação foi determinada a soltura do preso.

CONFLITO COM GOVERNO

Buscamos caminhar em harmonia com todos os órgãos públicos, embora possamos divergir em dois pontos relevantes. Um diz respeito à legitimidade para isentar as empresas de punição, fora dos parâmetros legais, e outro diz respeito à mensagem que queremos passar para a sociedade e seus efeitos.

Primeiro, entendo que, fora da hipótese de leniência, que legalmente deve ser aplicada de modo excepcional à empresa que contribui de modo relevante com a investigação, e só os investigadores no Paraná estão em posição para avaliar essa relevância no momento, a legitimidade para isentar as empresas de uma punição prevista em lei é do Congresso, que não deveria fazer isso antes de ampla discussão com a sociedade. Foi a empresa que trouxe sobre si a punição quando adotou práticas corruptas.

Em segundo lugar, isentá-las de punição passará à sociedade uma mensagem muito prejudicial a longo prazo, de que pessoas e empresas poderosas podem cometer quaisquer crimes porque, se forem pegas, são grandes demais para serem punidas.

ACORDOS

Entendemos que os acordos de colaboração devem ter três requisitos: reconhecimento de culpa, ressarcimento, ainda que parcial, dos danos, e entrega de informações e provas sobre fatos novos e relevantes. Este último é um requisito essencial. Quando o colaborador traz fatos que ainda não eram investigados, isso abre a possibilidade de potencializar a responsabilização de novos criminosos e o ressarcimento aos cofres públicos por meio de novos processos criminais e cíveis. Se não tivéssemos feito nenhuma colaboração, provavelmente tudo que saberíamos seria o recebimento de propinas por Paulo Roberto Costa, em valor inferior a R$ 100 milhões. Hoje comprovamos propinas na casa de bilhões e já recuperamos R$ 500 milhões. O Ministério Público está aberto a acordos. Contudo, a maior parte das empresas que nos procuraram ou não queriam entregar fatos novos ou não se dispuseram a pagar uma soma razoável a título de ressarcimento.

EFEITO MENSALÃO

O mensalão foi um ponto fora da curva que refletiu um imenso e louvável esforço da Supremo Corte para dar uma resposta aos crimes praticados pela cúpula de um poder. Contudo, o perfil institucional da Suprema Corte não é de um juízo de instrução e julgamento de crimes. Um dos maiores empecilhos para que julgue os casos de modo célere é o volume de trabalho. Enquanto a Suprema Corte dos EUA julga 80 casos por ano, a nossa julga 80 mil. A primeira condenação imposta pelo STF aconteceu 120 anos após a sua criação, em 2010.

Precisamos de reformas legislativas no sistema recursal, de prescrições e nulidades. É importante criar o crime de enriquecimento ilícito, endurecer o tratamento à corrupção de altos valores e ter instrumentos mais hábeis para recuperar os frutos econômicos dos crimes. Tudo isso garantindo os direitos do réu.

DOAÇÃO OFICIAL É CRIME?

Quando o pagamento de propina é disfarçado de doação legal, esse ato constitui lavagem de dinheiro. Embora legal na aparência, ele é ilegal e criminoso. A ideia básica dessa lavagem é fazer a propina parecer doação oficial.

RISCO DE NULIDADE

O Ministério Público está seguro de que todo ato da investigação foi absolutamente legal, e de que o caso não será anulado. O juiz Sergio Moro é imparcial, muito técnico e tem grande conhecimento jurídico. Diz-se que há 60 escritórios de advocacia, os quais o analisam o processo com lupas em busca de falhas, e já houve mais de 165 habeas corpus questionando diferentes aspectos e o processo se mantém hígido. Dos 165 apenas dois foram concedidos, um que soltou Renato Duque e outro que mudou uma questão periférica.

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