de Jorge Luis Borges
Em que reino, em que século, sob que silenciosa
Conjunção astrológica, em que secreto dia
Que não salvou o mármore, surgiu a valorosa
E singular ideia de inventar a alegria?
Foi com outonos de ouro que a inventaram. O vinho
Vai fluindo vermelho, banhando as gerações
Como o rio do tempo, e em seu árduo caminho
Dá-nos a sua música, o seu fogo e os seus leões.
Quer na noite do júbilo, quer na jornada adversa,
Ele exalta a alegria ou suaviza o espanto
E o ditirambo novo que este dia lhe canto
Igualmente o cantaram outrora o árabe e o persa.
Ó vinho, ensina-me a arte de ver a própria história
Como se esta já fosse em cinzas na memória.
Sensacional.
O fecho é sempre inusitado no soneto, o chamado fecho de ouro. Aqui Borges, me parece, junta lembrança com esquecimento, cinzas na memória, pois talvez nada resta a lembrar senão cinzas, nossa memória nunca é a realidade, o presente que se esvai a cada instante. Outra frase associa o vinho à ideia de inventar a alegria, pois nossa vida, no entender de Borges, seria, quase que permanentemente melancólica. Enfim, um soneto sensacional.