por Sergio Brandão
Nossa convivência foi muito pequena, de apenas 13 anos. Dividimos o mesmo quarto, também as mesmas roupas. Lembro de uma blusa de lã marrom, que levou junto. Era a única que tinha daquele jeito. A minha era uma verde. A gente trocava de vez em quando. Foi minha mãe quem fez as duas. Também levou com ele um casaco de couro e uma calça de veludo, verde. Estava vestido assim quando o vi pela última vez. Ele não me via mais, acho eu. Isso foi em 25 de outubro de 1970.
Nasceu em 57, em seis de março. Ontem estaria completando 57 anos. Se lambuzou com uma das suas maiores paixões, antes de ir: o futebol. Ainda viu a Copa de 70, o famoso tri no México.
Entre idas e vindas do hospital pra casa, foi assistindo pela tv o que conseguiu. Acabou vendo quase tudo. Ele, eu, meu pai e mais 90 milhões de brasileiros. Vimos juntos muitos jogos. Eu, ele e o pai alguns. Brasil e Tchecoslováquia, Brasil e Inglaterra e a decisão entre Brasil e Itália. Brasil e Peru, assistimos no hospital.
Alguns 6 de Março passaram batidos. Os primeiros não, foram bem doídos. Mas há uns 10 ou 15 anos… sim, foram ficando na gaveta. Quando via, tinha passado. Lembrava dias depois.
Ontem, não. Lembrei o dia inteiro. Mesmo com 45 anos passados, a cabeça ainda é capaz de recuperar alguns filmes daquele período, talvez o mais forte da minha vida.
O principal deles é o filme que nunca entendi. Como aquela baita história foi acontecer comigo? Nunca ninguém conseguiu me explicar direito. Até hoje ninguém explica e nem eu ainda entendi alguma coisa. Como podia alguém sumir da vida da gente daquele jeito? Que coisa mais maluca era aquilo que parecia derrubar a gente todos os dias com pensamentos sempre cobertos por uma nuvem que escondia algo que nuca vi.
A diferença daquele período de perguntas para hoje é que agora elas são outras.
Não havia nada de obscuro. Foi uma morte como todas as outras, por uma doença que se instalou e foi crescendo – mas ele era uma criança e eu a outra criança sem eira e nem beira.
É pouco, mas me conforta saber que tive o privilégio de ter vivido com aquele anjinho durante 13 anos. Não ficou lição nenhuma. Ainda resta no ar a sua passagem, um rastro de amor, talvez o primeiro da minha vida.
A lembrança muita vez tortura, muita vez traz paz, a distinção do efeito é aprimorada com o tempo. Segue feliz como o momento congelado no retrato. Abraços
Nós somos visitantes desse tempo,uns voltam para casa mais cedo,mas que é uma experiencia terrível isso é e jamais esqueceremos.
O único erro que nós seres humanos temos é ter a capacidade de chorar e eu nem gostaria de comentar para não ter que pensar o que você sentiu e sente.
A lembrança é algo que nos faz viver e morrer todos os dias. Uma coisa boa da lembrança são todos os momentos que pudemos conviver com a pessoa que nos deixou. Não sei se estou correto, mas, quando perdi alguém muito criança pareceu não ter naquela oportunidade o conhecimento o estava acontecendo e aos poucos fui sentindo a falta de meu pai. Bem, com a idade chegando, família constituída, vida que nos ocupa todo tempo e todos que nos cercam, outro baque minha mãe, eu já com mais de 30, pude ter o sentimento das duas perdas de forma a despertar um grande vazio. Então acho que a lembrança muitas vezes fica arquivada, numa gaveta, em nossa memória que um dia será aberta e aí vem a saudade.
Preserve a lembrança, Sérgio. Ela é fundamental. Rubem Alves contestava com veemência aqueles que prescreviam o esquecimento para quem sofria de saudade, pois sabia que o sofrimento da saudade é a única coisa capaz de manter vivo quem já não está mais presente.
São lembranças com muita dor principalmente os pais que passam suas memorias para os filhos e quando isso não acontece eles morrem junto.
aprendizado com cada um dos textos acima.
O sentimento mais puro, é a saudade. Caro Sergio, você sente ela.