por Ruy Castro

Imagine-se sendo a primeira pessoa no mundo a escutar “Garota de Ipanema” e “Só Danço Samba”, de Tom e Vinicius; “Samba do Avião”, de Tom; e “Samba da Bênção” e “O Astronauta”, de Baden e Vinicius. Escutar de verdade, com microfones para os intérpretes –João Gilberto, Tom, Vinicius e Os Cariocas–, violão, piano, contrabaixo e bateria. E com todos cantando e tocando só para você.

Flavio Ramos, que morreu há uma semana na Flórida, nos EUA, aos 88 anos, foi essa pessoa. Em 1962, aos 35, ele produziu em sua boate Au Bon Gourmet, em Copacabana, o único encontro daqueles homens num palco e o maior pocket show da história da bossa nova. Numa época sem leis de incentivo, patrocínios e captações, Flavio pagou-o à moda antiga: com seu dinheiro. A cada 24 horas envelhecia séculos, com medo de João Gilberto não aparecer (o que nunca aconteceu). E, mesmo com casa lotada nas 41 noites em cartaz, teve prejuízo. E daí? Estava ajudando a fazer história.

O mesmo Bon Gourmet foi palco de “Pobre Menina Rica”, musical de Carlos Lyra e Vinicius, com a estreante Nara Leão, e de temporadas de Maysa, Sylvia Telles, Lennie Dale, Baden Powell, Odete Lara. Perdeu dinheiro com todas, assim como com os grandes restaurantes que teve no Rio nos anos 80: o Rive Gauche, o Biblos e o Mr. Ramos –em comida, o requinte não se paga.

Flavio viveu entre o Rio e os EUA, para onde foi de vez em 2012 por causa de sua saúde. Lá, como aqui, sempre teve como amigos pessoas que admirava, uma delas, Frank Sinatra. Certa vez, perguntei-lhe sobre as atrizes, cantoras etc. que namorara. Ele foi desfiando: Virginia Lane, Anilza Leoni, Norma Bengell, Odete Lara, Julie London, Claudia Cardinale, Lani Hall, Candice Bergen, Samantha Eggar. E outras que, modestamente, preferia omitir.

Flavio foi grato à vida. E ela, a ele.

*Publicado na Folha de S.Paulo