por Yuri Vasconcelos Silva
O artista pós-moderno já previa. Um dia todos terão quinze minutos de fama. Andy Warhol, tal qual como um vidente aloprado, acertou que a evolução da mídia se transformaria em uma superpotência global, capaz de entrar na cabeça de cada homem e mulher e consquistar todos através da mais vulnerável característica humana: a vaidade. Facebook, Instagram, YouTube e BBBs democratizaram o que um dia foi exclusivo de Marilyn Monroe ou Michael Jackson.
O filme “Birdman (Ou a Inesperada Virtude da Ignorância)”, é uma ótima análise sobre a síndrome da auto-importância. O diretor Iñarittu sabe como poucos transformar uma história simples em uma boa fábula com muitas camadas de possíveis leituras. A maioria delas desconfortáveis à platéia. Neste filme, o protagonista é uma ex-celebridade de Hollywood. Michael Keaton, a escolha perfeita e irônica, interpreta um ator esquecido após viver um popular super-herói em uma trilogia de sucesso anos atrás. Pior, o ator só é conhecido por este papel. Um homem mascarado de pássaro. Para superar o próprio mito e mostrar todo o potencial como um artista, ele se atira em uma empreitada arriscada, lançando uma peça na Broadway baseada em um clássico literário, na qual atua e dirige. Ele enfrenta problemas com a peça, com a equipe, com sua filha e, o mais dramático, consigo mesmo. A vaidade é o pecado predileto do diabo, como disse Al Pacino em um outro filme. Aqui, a força que move Birdman é o desejo de se tornar relevante novamente. Não como um super-herói, mas representando a si mesmo, sem máscaras, sem dissimulações. Ele navega, no entanto, por águas desconhecidas. Nunca esteve num palco e talvez tenha sido pretensioso demais ao escolher uma obra literária importante.
Birdman é um filme interessante em vários aspectos. Ele é atual. Mostra o desespero comum à todos por algum tipo de fama, pela aceitação dos outros. Evidencia também o reverso da mesma moeda, quando a crítica ou o desprezo alheio pode ferir fundo a alma e gerar um sem número de sentimentos infernais, como a depressão, a raiva ou autopiedade. Não há como buscar a fama sem se expor. Este é o jogo – e também o grande risco. O diretor usa a fórmula adotada por Stanley Kubrick em “De Olhos Bem Fechados”, que escalou atores cuja vida quase-real (alguma celebridade conseguiria ter uma vida isenta de artificialismos?) se confunde com a própria trama ficcional. Enquanto no filme de Kubrick observamos um casal quase esquizofrênico num momento de crise, interpretados pelos então casados Tom Cruise e Nicole Kidman, em Birdman temos um protagonista que é sempre lembrado por seu trabalho nos dois Batmans de Tim Burton. Santa coincidência! As redes sociais são onipresentes durante os diálogos, e apontam o terrível erro do protagonista em não aderir aos meios de socialização atuais. Em dado momento, patético e memorável, a fama do protagonista é conquistada em pouquíssimo tempo graças às redes sociais. Um interessante lembrente que, para ter os minutos de fama, talvez não seja necessário talento algum. Se expor ao ridículo já é o suficiente.
Por fim, a técnica impecável do filme. Os atores estão ótimos, Michael Keaton imperdível. O desafio que Inãrrito se propôs ao filmar quase duas horas em um plano sequência leva a platéia a participar do filme, seguindo sem parar os vários personagens pelos bastidores e palco daquele labiríntico teatro. Este vai e vem entre o backstage e o ensaio da peça produz um efeito entorpecente ao mesclar o real com a ficção, confundido a todos.
É provável e triste que Birdman não receba neste domingo muitos prêmios da Academy Awards. Eles não estão interessados neste tipo de filme. Mas Birdman diz algo muito interessante sobre todos nós. Deveria ao menos ganhar nossa atenção.
*Yuri Vasconcelos Silva é arquiteto
Yuri “Trinity”, muito boa a sua avaliação de Birdman. Foi um prazer ler novamente, depois de tantos anos, um texto seu sobre filmes.