15:01Tomie Ohtake, adeus

Da Folha.com

Tomie Ohtake, grande dama da arte nacional, morre aos 101 anos em SP

Morreu a artista plástica Tomie Ohtake. Ela estava internada havia mais de uma semana por causa de uma pneumonia no hospital Sírio Libanês, em São Paulo, onde chegou a sofrer uma parada cardíaca depois de aspirar líquido gástrico e respirava desde terça (10) com a ajuda de aparelhos. Uma das figuras mais relevantes da história da arte brasileira, conhecida como a grande dama da pintura nacional, Tomie tinha 101 anos.

Seu corpo será velado no Instituto Tomie Ohtake, centro cultural na zona oeste de São Paulo, das 8h às 14h desta sexta (13), em evento aberto ao público. Ela será cremada em cerimônia fechada para a família também nesta sexta.

Entre o gesto e a geometria, a artista criou ao longo de seis décadas de carreira um vocabulário único, calcado na relação entre a forma e a cor. Ela despontou na cena artística do país nos anos 1960, trilhando um caminho independente no momento em que o abstracionismo geométrico chegava a seu auge.

Tomie, que nasceu em Kyoto, no Japão, e se mudou para São Paulo em 1936, começou a pintar nos anos 1950, quando ainda seguia o estilo figurativo em voga entre outros artistas imigrantes reunidos no grupo Seibi, que tentava escapar aos rigores da arte acadêmica, embora permanecesse fiel a gêneros clássicos na pintura.

Logo depois, em meados da década de 1950, ela deu início à exploração da cor e da geometria. Mário Pedrosa, mais influente crítico de arte daquela época, reconheceu nos traços da artista ecos do projeto construtivo que via surgir entre os artistas concretos em São Paulo e, mais tarde, entre os neoconcretistas no Rio.

Tomie, em sua última entrevista à Folha, em novembro de 2013, lembrou que à época tentaram encaixar sua obra na vertente concretista, mas ela nunca entrou para o movimento. “Sempre desenhei curvas e retas, mas faço tudo com a mão, então não fica perfeito”, disse. “Gosto de fazer formas livres.”

De fato, mesmo em suas composições mais geometrizantes, Tomie mantinha os acasos do gesto, formas fluidas que às vezes se diluem no espaço ao redor ou sobressaem com força em meio aos redemoinhos de cor.

Nos anos definitivos de sua carreira, ao longo da década de 1960, a artista realizou o maior número de experimentos e reflexões sobre o comportamento das formas num plano. Algumas composições lembram a obra do expressionista abstrato Mark Rothko, um dos maiores nomes do cenário norte-americano, com campos de cor que parecem vibrar sobre o plano da tela.

Embora esse efeito de vibração tenha aparecido na obra de Tomie só duas décadas depois, sua destreza no traço já era evidente na gênese de seu projeto plástico, com formas homogêneas e chapadas construídas com pinceladas que cobriam toda a superfície do quadro.

Também no início dos anos 1960, a artista realizou uma de suas séries mais célebres, as “Pinturas Cegas”, telas que pintou vendada, numa crítica ao racionalismo exacerbado então em voga. Em 1961, Tomie também participou da Bienal de São Paulo pela primeira vez, tendo voltado ao evento outras sete vezes, sendo a última delas a edição de 1998, organizada por Paulo Herkenhoff.

O crítico que hoje dirige o Museu de Arte do Rio ainda é um dos maiores entusiastas da obra de Ohtake. Revendo a trajetória artística da artista, ele estabeleceu um vínculo entre as telas cegas e os círculos que surgiram na última década do trabalho da artista, uma alusão ao zen-budismo que se dá, em seu processo criativo, como uma forma de “vivenciar a própria imperfeição”.

Esse elemento recorrente na obra da artista, que ela associava à sensação de paz, muitas vezes surge nos quadros como traço definidor, uma arquitetura frágil que se impõe sobre o caos ao redor.

Depois de abrandar sua obsessão pelos tons frios que marcaram o início da carreira e ampliar sua paleta para tons mais alegres, Tomie passou a criar, nos anos 1980 e 1990, composições calcadas no efeito de vibração.

Tomie também se destacou no campo da escultura, criando formas monumentais que em muitos aspectos lembram o traço fluido da caligrafia japonesa. Sua obra ocupa pontos fulcrais da geografia paulistana, como a empena cega de um prédio no Anhangabaú, a estação Consolação do metrô e a entrada do aeroporto internacional de Guarulhos.

Nos últimos anos de sua vida, Tomie seguiu trabalhando. Seu ateliê, uma parte da casa onde vivia projetada pelo filho Ruy Ohtake, seguiu atulhado de peças inéditas até a abertura de sua última exposição no centro cultural que leva seu nome em novembro de 2013.

“Nunca pensei que estaria viva aos cem anos, mas essa idade chegou sem que eu sentisse nada”, disse a artista, há dois anos. “Só sei que gosto muito de trabalhar e fico feliz pintando.”

Além de Ruy, Tomie deixa o filho Ricardo Ohtake, diretor do centro cultural que leva o nome da artista, e dois netos.

 

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