por Ivan Schmidt
A entrevista da senadora Marta Suplicy, por enquanto no PT, na qual retratou em pinceladas enérgicas ao jornal O Estado de S. Paulo, o estado das artes do partido e, em especial, o resfriamento das relações entre o ex-presidente Lula e a sucessora Dilma Rousseff, que está iniciando o segundo mandato, teve a mesma repercussão dos atentados cometidos pelos jihadistas em Paris e a interminável crônica que se alarga sempre com novas facetas sobre a razia capitaneada por Paulo Roberto Costa e Nestor Cerveró, capos do esquema que bombeou catadupas de dólares dos cofres da ex-maior empresa brasileira, a Petrobras.
Não tenho dúvida em comparar, pela extrema letalidade, a entrevista de Marta com a do ex-deputado federal Roberto Jeferson, anos atrás, quando foi aceso o pavio que rapidamente fez explodir o barril de pólvora do mensalão. Tanto num caso quanto no outro, nada teria acontecido não fosse a disponibilidade da imprensa livre, informativa e investigativa, cumprindo o papel fundamental de levar à opinião pública o conhecimento do que se passa nos becos escuros da política, doa a quem doer. A entrevista de Jeferson foi feita pela repórter Renata Lo Prete, da Folha de S. Paulo, e a de Marta por Eliane Cantanhêde, ex-Folha e hoje no Estadão.
A senadora paulista, a quem não se pode atribuir falta de vivência e traquejo políticos, ou meramente agir como uma pessoa temperamental atacada por um surto de mau humor, como procurou contemporizar um importante quadro do governo Dilma 2 (do partido nem tanto), não apenas mostrou completo domínio dos temas abordados na entrevista, como o fez com aguda consciência de que o momento era mais que oportuno para relatar ao distinto público o seu pensamento.
O estrago foi tamanho que o Planalto fechou-se em copas e determinou aos principais ministros que ficassem em silêncio (ordem dada ordem obedecida), se abstendo de comentar a fala de Marta, embora, por outro lado, não poucos militantes tivessem manifestado sua preocupação com o futuro imediato da agremiação fundada no ABCD paulista para servir de canal de expressão e representação ao forte movimento sindical da região.
Ficou bastante claro na entrevista que o PT está dividido basicamente entre lulistas e dilmistas, realidade nova que suplanta em grau acentuado o estatuto de uma economia interna historicamente multifacetada na quantidade de tendências instaladas na estrutura orgânica do partido, numa convivência ambígua de grupos ideológicos que vão do apelo à luta armada à defesa do neoliberalismo. A peroração de Marta é vitriólica: “Ou o PT muda, ou acaba”.
Marta chamou a atenção para o corte abrupto do diálogo entre Dilma e Lula, que tem a seu favor o fato de abortar a movimentação em torno de sua candidatura à presidência em 2014, alijando então da disputa o poste que ele próprio havia tirado da cartola ao nomeá-la ministra-chefe da Casa Civil, quando José Dirceu renunciou sob o efeito devastador dos primeiros indícios do mensalão.
A própria Marta admitiu considerar, na ocasião, a colocação de seu nome como postulante à candidatura presidencial em 2010, mas quando ouviu o presidente insistir naquele laudatório da “mãe do PAC”, sentiu que sua chance se tornava próxima a zero. Hoje, disse ela, quem se atira com unhas e dentes à construção da hipotética candidatura à presidência em 2018 é o ministro-chefe da Casa Civil, Aloizio Mercadante, a quem credita altíssimos teores de arrogância e antipatia, a seu ver, os principais elementos de uma derrota anunciada, se as coisas acontecerem como a senadora está prevendo.
Pode parecer estranho para muitos e inimaginável para outros tantos, mas pela primeira vez desde a fundação do PT, a autoridade política e a liderança de Lula parecem acusar certo desgaste. Observadores da cena política, contudo, opinam que a sagacidade do calejado manipulador de massas que começou a carreira inflamando trabalhadores metalúrgicos num pequeno estádio de futebol em São Bernardo do Campo, vai acabar botando os adversários no chinelo.
Contudo, há imensas dificuldades na trajetória de Lula como maior liderança petista desde a fundação do partido, sobretudo, porque até a posse de Dilma para o segundo mandato a influência do ex-presidente na condução das principais políticas de governo foi marcante. Com a nomeação do novo ministério, a presidente praticamente desfez a vanguarda lulista, ao dispensar os serviços de Guido Mantega e Gilberto Carvalho, entre outros, olhos e ouvidos do ex-presidente no Planalto.
O chamado núcleo duro do governo atual, a rigor, não tem nenhum componente com alguma ligação próxima a Lula, a não ser o ministro Jaques Wagner (Defesa), que segundo o senhor Fontes Fidedignas esperava bem mais do que acabou recebendo no espólio da Esplanada. Aliás, o que não é mais segredo para ninguém em Brasília, é que em breve começarão a surgir as disputas e entreveros com o chefe da Casa Civil, que se julga (e não é de hoje) o favorito da presidente para a sucessão em 2018. O fator de agravo é que Mercadante e Lula não podem ser convidados para o mesmo almoço.
Há também o mal-estar causado ao PMDB na indicação dos ministros do partido e a falta de relevância dos respectivos ministérios, com exceção da Agricultura e Minas e Energia. No entanto, a ministra da Agricultura, Kátia Abreu, é recém-filiada ao partido e, para piorar o quadro, diz-se que foi um nome tirado da cota pessoal de Dilma.
Caso a equipe econômica não consiga remover os óbices do crescimento da riqueza nacional, e a operação política do governo falhe em extirpar a corrupção, fazer avançar no Congresso a pauta das reformas essenciais e, na pior das hipóteses, acontecer a prenunciada dispersão da base aliada, o segundo mandato de Dilma será atingido mortalmente pela reprovação popular.
Antes de completar o primeiro mês de administração o governo já tem em seu passivo o aumento dos juros e dos impostos sobre combustíveis e de operações financeiras, além da majoração das tarifas de energia e modificações no sistema do salário-desemprego e o primeiro apagão do ano. Quase tudo o que Dilma disse em campanha que seus adversários fariam se eleitos fossem.
Como se percebe, há no ar uma sombria ameaça de extinção do feito inédito que é a permanência de um único partido, o PT, por 16 anos no comando da República, seja qual for seu candidato à presidência.