por Yuri Vasconcelos Silva
Erre de Bastos, arquiteto e decorador. Sua fama vai além dos limites da urbe. Encomendas para interiores no interior, o decorador expande seu império do bom gosto e luxo pelo Estado. Por um preço, claro. Todos os homens têm um preço.
Bastos precisa sustentar sua imagem. Neste ramo, não basta ser bom no traço. Necessário ter estilo, botox e sorriso de político. Precisa também possuir opiniões que agradem ao público pagante. Escolheu a roupagem do PC, Politicamente Correto, para não ter erro. Em colunas, blogs e feicebuqui, com ajuda de seu melhor amigo e marqueteiro “Bico de Tucano”, fascina os embasbacados com suas lorotas de papo doce.
Na mesma cidade onde atua, estão presos os corruptores e corrompidos de um esquema mais velho que andar pra frente. Neste caso, as proporções são imensas como as reservas do pré-sal. A fórmula dá pra decorar: o dono da grana precisa fazer uma obra, mas apenas uma dúzia de empresas no país têm a capacidade técnica de fazê-lo. Todas disputam a obra. Quem cuida do dinheiro estipula uma comissão como contrapartida para liberar o serviço para esta ou aquela empresa. Quem pagar mais, leva. Anos depois, o esquema funciona azeitado, com as empresas construtoras se revezando numa roda de toma-la-da-cá. Até alguém ser pego e, como todo homem comum, abrir o bico para não afundar sozinho. A mídia, morna sem um BeBeBe, se alegra com a desgraça do petróleo e a indignação geral. Dá-lhe boletins diários do Big Brother do petróleo, da Polícia Federal em Curitiba para o mundo em pânico.
Erre de Bastos precisa dar uma opinião, sugere Bico de Tucano. O arquiteto então declara sentenças que se assemelham a slogans bregas. O petróleo é do povo, pagamos por um dos combustíveis mais caros do mundo, este esquema é um assalto ao patrimônio da população e, como um legítimo PC, a culpa é do governo.
Frases lugares-comum são abundantes num mundo onde todos podem opinar apenas com uma tecla e uma dedada na internet. É também uma boa medida de como anda a capacidade de análise daqueles que estão conectados. O que poucos sabem é que Erre de Bastos se beneficia do mesmo esquema, apenas numa proporção bem menor. Para cada obra orçada pelo arquiteto, não importando quem será o fornecedor, uma comissão está embutida. Para cada papel de parede ou vaso sanitário, lá está a pequena corrupção acontecendo. Na ponta do lápis, ao final, quase metade do lucro do decorador se origina nas comissões. O cliente, que paga pelos adicionais ocultos em cada item do projeto, talvez nem desconfie por que foi escolhido o vaso sanitário mais caro, que higieniza o sujeito ao som de Mozart. Afinal, Bastos havia dito que seria o melhor, o mais adequado. Só que sua escolha técnica foi embasada numa matemática simples: mais caro, mais ganho.
No caso do petrolão ou das próteses do sul, teria Bastos a permissão para criticar? Justificativas não lhe faltam: no outro caso, se trata de uma quantia muito maior de recursos desviados. O dono do dinheiro seria o povo. Erre de Bastos observa os outros cometendo o crime como se estivesse em uma janela. Na verdade, Bastos encara um espelho.
O decorador carrega características além da política ou da ética. Estes dois são inventados. Já a corrupção é uma das manifestações do desejo, inato a Bastos e todo o resto. Pegar o que não deveria ser seu é um pecado primordial. Talvez instinto herdado de uma era perdida em que os recursos eram escassos. É tentador e precisou ser barrado e calibrado com regras sociais, através da religião, educação ou leis. Ainda assim, não é justificável. Roubar, assim como todas as outras regras que se aprende desde tenra idade, é muito feio. Tsc tsc tsc. Mas cuidado com a hipocrisia e demagogia. Elas alimentam ferozmente a própria corrupção. E parece ser bem mais abundante por aí.
*Yuri Vasconcelos Silva é arquiteto