12:32Tudo outra vez

por Carlos Heitor Cony

Deus – Aqui estamos juntos de novo. Continuo sem entender o que acontece no Brasil.

Lúcifer – Também estou perplexo.

Deus – E eu? Não podia imaginar que houvesse tantos justos no Brasil. Todo mundo lá agora é ético…

Lúcifer – Houve época mais fácil para vós, ó Todo Poderoso! Lembra quando mandou o dilúvio?

Deus – Lembro, só havia um varão honesto na face da Terra, mandei que ele construísse uma arca…

Lúcifer – E Sodoma e Gomorra? Até a mulher de Lot estava no esquema da Petrobras.

Deus – E essa história de passar o Brasil a limpo? Vai colar?

Lúcifer – Tenho minhas dúvidas. Estou informado de que alguns empreiteiros já armaram um lobby para pegar o serviço…

Deus – Vai haver licitação?

Lúcifer – Parece que não. O argumento é que se trata de tarefa urgente, um clamor nacional, os brasileiros não podem perder tempo…

Deus – Talvez fosse melhor a todos.

Lúcifer – Já aguentei muita coisa em minha existência. Quando seu filho andou pela Terra fez o diabo comigo. Principiante… pensei que fosse mole, o Gabriel e o Miguel estavam na conspiração, mas pularam fora e eu assumi o abacaxi sozinho… não havia STF para decidir sobre o mérito.

Deus – São águas passadas. O problema é que não fica bem nós dois ficarmos boiando nessa crise.

Lúcifer – Afinal, quem é o Grande Tentador? Vossa Onipotência ou eu?

Deus – No Brasil, a coisa é diferente. Passe uma temporada lá, apareça no programa do Jô, espalhe que tem um caso com a Gisele Bündchen.

Lúcifer – E qual a garantia de que não vou quebrar a cara de novo?

Deus – Para não chamar atenção, garanto empate no tempo normal.

Lúcifer – Não pode ser decisão por pênalti? Assim disfarçamos melhor.

Deus – E se o PT desconfiar e botar a boca no trombone? Eu não posso sofrer impeachment. Não tenho vice.

*Publicado na Folha de S.Paulo

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