por Carlos Heitor Cony
Deus – Aqui estamos juntos de novo. Continuo sem entender o que acontece no Brasil.
Lúcifer – Também estou perplexo.
Deus – E eu? Não podia imaginar que houvesse tantos justos no Brasil. Todo mundo lá agora é ético…
Lúcifer – Houve época mais fácil para vós, ó Todo Poderoso! Lembra quando mandou o dilúvio?
Deus – Lembro, só havia um varão honesto na face da Terra, mandei que ele construísse uma arca…
Lúcifer – E Sodoma e Gomorra? Até a mulher de Lot estava no esquema da Petrobras.
Deus – E essa história de passar o Brasil a limpo? Vai colar?
Lúcifer – Tenho minhas dúvidas. Estou informado de que alguns empreiteiros já armaram um lobby para pegar o serviço…
Deus – Vai haver licitação?
Lúcifer – Parece que não. O argumento é que se trata de tarefa urgente, um clamor nacional, os brasileiros não podem perder tempo…
Deus – Talvez fosse melhor a todos.
Lúcifer – Já aguentei muita coisa em minha existência. Quando seu filho andou pela Terra fez o diabo comigo. Principiante… pensei que fosse mole, o Gabriel e o Miguel estavam na conspiração, mas pularam fora e eu assumi o abacaxi sozinho… não havia STF para decidir sobre o mérito.
Deus – São águas passadas. O problema é que não fica bem nós dois ficarmos boiando nessa crise.
Lúcifer – Afinal, quem é o Grande Tentador? Vossa Onipotência ou eu?
Deus – No Brasil, a coisa é diferente. Passe uma temporada lá, apareça no programa do Jô, espalhe que tem um caso com a Gisele Bündchen.
Lúcifer – E qual a garantia de que não vou quebrar a cara de novo?
Deus – Para não chamar atenção, garanto empate no tempo normal.
Lúcifer – Não pode ser decisão por pênalti? Assim disfarçamos melhor.
Deus – E se o PT desconfiar e botar a boca no trombone? Eu não posso sofrer impeachment. Não tenho vice.
*Publicado na Folha de S.Paulo