por Célio Heitor Guimarães
Jiomar José Turin, falecido neste ano da graça de 2014, era uma figuraça. Advogado por profissão, gozador por natureza e criador de confusão por puro prazer, deixou o seu nome gravado em bronze nas histórias desta outrora gentil e mui faceira Vila de Nossa Senhora da Luz dos Pinhais. O bronze ele emprestou do tio famoso, o escultor João Turin; as histórias são quase todas de sua própria autoria.
Jiomar nasceu em Curitiba, em 02.05.26. “Cansado, porque era o dia seguinte ao Dia do Trabalho” – frisava. Foi advogado por mais de 60 anos, só de conselheiro da OAB foram mais de 20. Era da têmpera de Mauro Nóbrega Pereira, José Torquato Tillo, Lellis Antônio Corrêa, Égas Moniz de Aragão , Newton de Sisti, Élio Narezi, Alir Ratacheski, Augusto Prolik, Newton Stadler de Souza. Mas ele gostava mesmo era de uma boa troça. Que podia envolver amigos, familiares ou desconhecidos.
Na juventude, Turin quis ser ator. Integrou o Teatro Universitário Paranaense. Teve como colegas Armando Maranhão, Renê Dotti e Ary Fontoura. Mas sentiu que não tinha futuro ali. E foi ser professor. Como sabia bem inglês, ofereceu-se para dar aulas no Centro Cultural Brasil-Estados Unidos, o célebre Inter-Americano, chancelado pela Embaixada dos Estados Unidos. Ía bem lá. Chegou a diretor. Até que descobriram que nutria certa simpatia pelas ideias do velho Marx. E o jovem professor foi mandado embora. O que ?! Um leninista, talvez trotskista, no Inter?! Era só o que faltava!… Saiu dando gargalhada.
E continuou aprontando.
Ainda estudante, Jiomar José foi contratado para defender dois amigos em uma ação de despejo. A ação estava fundamentada no mau uso do apartamento, constantemente utilizado para festas e jogatinas, com alta frequência feminina. A tática da defesa foi negar tudo, pois a prova cabia ao autor. Na audiência de instrução e julgamento, passou-se a ouvir as testemunhas, entre elas a síndica do prédio, uma senhora baixinha, de meia idade, que, claro, desancou os réus. Nas reperguntas, tentando desqualificar a depoente, Turin perguntou à dita senhora como ela poderia saber o que ocorria no apartamento, se nunca estivera dentro dele. A testemunha levantou-se, pôs as mãos na cintura, encarou o advogado e disse-lhe: “Muito me admira o senhor fazer essa pergunta, já que não sai de lá!…”
Numa festa de casamento, o casal Turin ocupava uma mesa com o casal Mauro Nóbrega Pereira. Como era então permitido fumar em lugares fechados, o bom Mauro, acendeu o inseparável cachimbo e passou a dar boas baforadas. Jiomar reclamou. Disse que aquilo não era cheiro de fumo, mas de “meia velha suja”. Como eram bons amigos, Mauro não deu atenção. Algum tempo depois, levantou-se para dançar com a sua “Lurde”, deixando o cachimbo em um cinzeiro sobre a mesa. Ao voltar, retomou o pito para novas baforadas. Foram várias as tentativas de acendê-lo. Em vão. Só aí descobriu que, durante a sua ausência, Turin havia entupido o cachimbo com doce brigadeiro e agora, feliz da vida, bailava solto no salão com sua Arlete.
Ao voltar de uma pescaria, Turin foi indagado pelo amigo Algacir Brunetto, que também atracava o seu barco, como fora o evento. Desanimado, Turin respondeu que naquele dia apenas levara as iscar para molhar. Algacir, então, exibiu um isopor contendo mais de 40 robalos e disse que poderia até oferecer-lhe alguns. Isso feito, foi ao banheiro. Quanto retornou, estranhou ver vários funcionários do Iate Clube carregando peixes e agradecendo a gentileza de Turin. Compreendeu de imediato o que ocorrera: Turin havia distribuído os pescados dele. Dos 40, conseguiu salvar pouco mais de meia dúzia.
Numa viagem a um país asiático, passeando por uma praça onde havia um templo, Turin notou que ali se realizava um culto. No lado de fora, como manda a tradição religiosa local, foram deixados os sapatos dos devotos. Não teve dúvida: desfez os pares e os trocou de lugar. Depois, ficou só aguardando para ver, de longe, a confusão que aconteceria ao final da cerimônia.
Mas a grande e incomparável “façanha” de Jiomar José Turin foi quando ele fez aquilo que todos nós já tivemos vontade de fazer um dia, mas faltou-nos coragem. Subia ele, tranquilo, a Rua Inácio Lustosa a bordo do seu potente (e enorme) Pontiac importado. A certa altura, o caminho estava interrompido por um moçoilo que parara o seu fusca em fila dupla, no meio da pista, para bater um papinho com um amigo que vira na calçada. Turin acionou a buzina. Nada. O cara nem deu atenção. Turin acionou novamente a buzina. Aí o folgado fez com a mão aquele sinal característico de “passe por cima”. Turin não teve dúvida: engatou uma primeira, acelerou, jogou o fusquinha com motorista e tudo para o lado e seguiu adiante…
Grande Jiomar José Turin! Como perdera o pai aos 10 anos de idade, passou a ter o tio, o escultor João, como referência masculina. Aprendeu o que pode de arte com ele e a língua italiana lendo Dante Alighieri. O tio corrigia-lhe a pronúncia. Em agradecimento, realizou o sonho dele: a perpetuação da sua arte e memória. Passou parte da vida recuperando o acervo de João Turin, reunindo-o e protegendo-o, na expectativa de que o Governo do Estado cumprisse, enfim, a Lei Estadual n° 1.538/53, do governador Bento Munhoz da Rocha Neto, que criava a Casa João Turin.
O resultado do sonho de João, encampado por Jiomar, aconteceu com a exposição de junho último no MON – Museu Oscar Niemeyer. Visitá-la foi o último ato público do sobrinho, um dia antes de ser internado e seguir, logo depois, ao encontro do tio.
Puta que o pariu. O que a gente perde em não ter conhecido um cara desses. E o que aconteceu com clonagens. Tai um cara que precisava ser.
Dr.Celio.
Belíssima e oportuna homenagem ao grande Dr. Jiomar, homem de um humor incomparável .
Se alguém soube tirar da vida tudo que ela pode ofertar esse alguém foi, sem duvida, o Dr. Turim.
Nos que o conhecemos, assim como ao Dr. Mauro Nóbrega devemos nos considerar privilegiados.