por Célio Heitor Guimarães
Adolfo Aizen, o “pai” dos quadrinhos no Brasil ou o homem que trouxe para o Brasil as histórias em quadrinhos e a maioria dos principais heróis de papel –, entre os quais Superman ou Super-Homem, como era conhecido inicialmente – dizia de quadrinho era coisa de criança e não se prestava para complicadas teses acadêmicas e nem se podia extrair deles o que eles não tinham. A princípio, discordei do grande editor. Apaixonado pelos gibis desde a terna infância, eu estava empolgado com os teóricos da comunicação, surgidos nas décadas de 60/70, do século passado, como Umberto Eco, Claude Moliterni, Moacy Cirne, Sérgio Augusto, Ruy Castro, Álvaro de Moya, José Marques de Mello e o prof. Francisco Araújo, que levara os gibis para a universidade.
Depois entendi o que o velho Aizen queria dizer. Para ele, além expressão artística, os quadrinhos tinham por objetivo apenas distrair, divertir e, se possível, educar a garotada. Nasceram para isso, antes de se tornarem produto industrializado e disputarem o mercado. Haviam sido utilizados, no tempo da Segunda Guerra Mundial, como veículo de propaganda das forças aliadas e para fomentar o patriotismo dos sobrinhos de Tio Sam. Mas isso fora um acontecimento episódico, que se repetiria quando os EUA entraram em conflito com os japoneses, com os coreanos, com os vietnamitas e, mais recentemente, com os árabes, além do período da chamada Guerra Fria com a então União Soviética. E essa utilização oportunista e indevida não compunha a essência das histórias em quadrinhos (comics, na América do Norte; bande dessinée, na França; fumetti, na Itália; tebeo e historieta, na Espanha; e banda desenhada, em Portugal).
Os quadrinhos, efetivamente, foram criados para fazer graça e oferecer momentos de distração e emoção juvenil à molecada, fosse ela americana, italiana, francesa ou brasileira e tivesse seis, vinte, quarenta ou sessenta anos.
Passei a minha vida entre as HQs. Também cometi os meus artigos teóricos… Quer dizer, nem tanto; foram mais manifestações de paixão com algumas pitadas de crítica. E assim fui levando até me tornar septuagenário. O pé já havia aliviado o acelerador há uns 20 anos, mas ainda acompanhava de perto o mercado quadrinizado. Tornara-me mais seletivo, adquirindo apenas alguns poucos títulos que entendia ainda palatáveis no mundo de violência e falta de criatividade em que viraram os gibis. Já reunira uma das maiores coleções do país, que nunca tive a curiosidade de somar, com exemplares desde os anos 50, editados pela Ebal, Rio-Gráfica, O Cruzeiro, Abril, LaSelva, Vecchi, Outubro, GEP, Globo, Bloch, Devir, Mythos, Opera Graphica, Panini, Edioro, Pixel Media…, e ela me supriria a necessidade do resto da vida.
No início deste ano da graça de 2014, incentivado pela decisão do crítico Paulo Ramos, despedi-me – aqui mesmo neste espaço – dos heróis e super-heróis, simbolizados na ocasião pelo Superman (ou Super-Homem do meu tempo). Era algo já decidido, que eu adiava por puro relaxo. Estava cansado. Mais do que isso, saturado do que se publica hoje em dia em quadrinhos, com raríssimas exceções. Paulo deu o brado de separação do justiceiro de Krypton, depois de uma fiel união de 20 anos, sublinhando que Superman e tantos outros heróis estão sendo vitimados por uma espécie de “kryptonita midiática”, com a transferência dos super-heróis para o cinema, em produções caríssimas e de grandes efeitos especiais, com faturamento equivalente. (E muitíssimo pouco conteúdo, acrescentaria eu.)
Concordei com Paulo Ramos, em número, gênero e grau. Registrei que, durante a sua carreira, o Super-Homem passou por muitas e más situações. Tiraram-lhe os poderes, condenaram-no ao exílio, raptaram-lhe a memória, demitiram-lhe do jornal Planeta Diário, mudaram-lhe o uniforme, transformaram-no em “cyborg”, em hippie, em mutante e até em presidente dos EUA. Matar, já o mataram umas quatro ou cinco vezes. Conseguiram fazê-lo casar-se, enfim, com a quase desesperançada Lois Lane, mas esse casamento foi logo esquecido. Em 1997, ele passou a dar choques… Na atualidade, os homens do marketing da DC voltaram à carga e deram nova repaginada na vida do Herói de Aço. Primeiro, trocaram-lhe a tradicional malha justa azul e vermelha por calças jean, botinas de cadarços, camiseta de mangas curtas e uma pequena e ridícula capa. Depois, tiraram-lhe a velha sunga sobre a malha para ficar mais próximo de sua imagem criada pelo cinema.
Ah, a imagem criada pelo cinema!… Ninguém conseguiu fazer mais mal a Superman do que o cinema. E é exatamente este o motivo deste texto. Eu não havia assistido ao filme “Homem de Aço”, produção de 2013, dirigida por Zach Snyder, com o desconhecido Dylan Sprayberry no papel-título. Não tivera interesse. Pois, numa noite dessas, encontrei-a por acaso na TV a cabo e, incauto e idiota, segui-a até o fim, torcendo para que acabasse logo. Fiquei indignado. Uma barbaridade! O que produtores, roteiristas e diretores foram capazes de fazer com o velho mocinho de azul e vermelho?! Jerry Siegel e Joe Shuster, pais da criatura, e Christopher Reeve, que melhor o viveu na tela, devem ter se revirado nos túmulos. A que ponto chegou o mercantilismo dos seniors da DC/Warner! História ruim, confusa, excesso de efeitos especiais e um protagonista inodoro e canastrão (a exceção é Amy ‘Lois Lane’ Adams). O personagem perdeu por inteiro a essência e o rumo. Foi emborrachado pelos gênios de Hollywood e entrou no ritmo da violência absurda, despropositada e antiestética. Certamente, não foi para isso que o pai, Zor-El, enviou o pequeno Kal para a Terra. Se os enlouquecidos do cinema queriam destruir Smallville e Metrópolis, sem piedade dos desgraçados terráqueos que foram ali soterrados sem nenhuma cerimônia, deveriam ter chamado o Hulk, da concorrente Marvel, porque quem morre no fim do filme é o pobre Homem de Aço. Depois dessa catastrófica produção, nada mais haverá para ser feito por ele.
Ainda bem que eu me despedi dele a tempo.