8:10Todos soltos, todos soltos, até hoje

por Elio Gaspari

Nos debates medíocres da TV Bandeirantes e do SBT, em que Dilma Rousseff parecia disputar a Presidência com Fernando Henrique Cardoso e Aécio Neves parecia lutar por um novo mandato em Minas Gerais, houve um momento estimulante. Foram as saraivadas de cinco “todos soltos” desferida pela doutora.

Discutia-se a corrupção do aparelho petista e ela arrolou cinco escândalos tucanos: “Caso Sivam”, “Pasta Rosa”, “Compra de votos para a reeleição de FHC”, “Mensalão tucano mineiro” e “Compra de trens em São Paulo”. A cada um, ela perguntava onde estavam os responsáveis e respondia: “Todos soltos”. Faltou dizer: todos soltos, até hoje.

Não foi Dilma quem botou a bancada da Papuda na cadeia, foi a Justiça. Lula e o comissariado petista deram toda a solidariedade possível aos companheiros, inclusive aos que se declararam “presos políticos”. Aécio também nada tem a ver com o fato de os tucanos dos cinco escândalos estarem soltos. Eles receberam essa graça porque o Ministério Público e o Judiciário não conseguiram colocar-lhes as algemas. O tucanato deu-lhes graus variáveis de solidariedade e silêncio.

Pela linha de argumentação dos dois candidatos, é falta de educação falar dos males petistas para Dilma ou dos tucanos para Aécio. Triste conclusão: quando mencionam casos específicos, os dois têm razão. A boa notícia é que ambos prometem mudar essa escrita.

A doutora Dilma listou os cinco escândalos tucanos, todos do século passado, impunes até hoje. Vale relembrá-los.

CASO SIVAM

Em 1993 (governo Itamar Franco), escolheu-se a empresa americana Raytheon para montar um sistema de vigilância no espaço aéreo da Amazônia. Coisa de US$ 1,7 bilhão, sem concorrência. Dois anos depois (governo FHC), o “New York Times” publicou que, segundo os serviços de informações americanos, rolaram propinas no negócio. Diretores da Thomson, que perdera a disputa, diziam que a gorjeta ficara em US$ 30 milhões. Tudo poderia ser briga de concorrentes, até que um tucano grampeou um assessor de FHC e flagrou-o dizendo que o projeto precisava de uma “prensa” para andar. Relatando uma conversa com um senador, afirmou que ele sabia “quem levou dinheiro, quanto levou”.

O tucano grampeado voou para a Embaixada do Brasil no México, o grampeador migrou para o governo de São Paulo e o ministro da Aeronáutica perdeu o cargo. Só. FHC classificou o noticiário sobre o assunto como “espalhafatoso”.

PASTA ROSA

Em agosto de 1995, FHC fechou o banco Econômico. Estava quebrado e pertencia a Ângelo Calmon de Sá, um príncipe da banca e ex-ministro da Indústria e Comércio. Numa salinha do gabinete do doutor, a equipe do Banco Central que assumiu o Econômico encontrou quatro pastas, uma da quais era rosa. Nelas estava a documentação do ervanário que a banca aspergira nas eleições de 1986, 1990 e 1994. Tudo direitinho: 59 nomes de deputados, 15 de senadores e 10 de governadores, com notas fiscais, cópias de cheques e quantias. Serviço de banqueiro meticuloso. Havia um ranking com as cotações dos beneficiados e alguns ganharam breves verbetes. No caso de um deputado, registravam 43 transações, 12 com cheques.

Nos três pleitos, esse pedaço da banca deve ter queimado mais de US$ 10 milhões. A papelada tornara-se uma batata quente nas mãos da cúpula do Banco Central. De novo, foi usada numa briga de tucanos e deu-se um vazamento seletivo. Quando se percebeu que o conjunto da obra escapara ao controle, o assunto começou a ser esquecido. FHC informou que os responsáveis pela exposição pagariam na forma da lei: “Se for cargo de confiança, perdeu o cargo na hora; se for cargo administrativo, será punido administrativamente”. Para felicidade da banca, deu em nada.

COMPRA DE VOTOS PARA A REELEIÇÃO DE FHC

Em maio de 1997, os deputados Ronivon Santiago e João Maia revelaram que cada um deles recebera R$ 200 mil para votar a favor da emenda constitucional que criou o instituto da reeleição dos presidentes e governadores. Ronivon e Maia elegiam-se pelo Acre e pertenciam ao PFL, hoje DEM. Foram expulsos do partido e renunciaram aos mandatos. Ronivon voltou à Câmara em 2002. De onde vinha o dinheiro, até hoje não se sabe.

MENSALÃO TUCANO MINEIRO

Em 1998, Eduardo Azeredo perdeu para o ex-presidente Itamar Franco a disputa em que tentava se reeleger governador de Minas Gerais. Quatro anos depois, elegeu-se senador e tornou-se presidente do PSDB. Em 2005, quando já estourara o caso do mensalão petista, o nome de Azeredo caiu na roda das mágicas de Marcos Valério. Quatro anos antes de operar para o comissariado, ele dava contratos firmados com o governo de Azeredo como garantia para empréstimos junto ao banco Rural (o mesmo que seria usado pelos comissários.) O dinheiro ia para candidatos da coligação de Azeredo. O PSDB blindou o senador, abraçou a tese do “caixa dois” e manteve-o na presidência do partido durante três meses.

Quando perdeu a solidariedade de FHC, Azeredo disse que, durante a disputa de 1998, ele “teve comitês bancados pela minha campanha”. Em fevereiro passado, o Supremo Tribunal Federal aceitou a denúncia do procurador-geral contra Azeredo e ele renunciou ao mandato de deputado federal (sempre pelo PSDB). Com isso, conseguiu que o processo recomeçasse na primeira instância, em Minas Gerais. Está lá.

COMPRA DE TRENS EM SP

Assim como o caso Sivam, o fio da meada da corrupção para a venda de equipamentos ao governo paulista foi puxado no exterior. O “Wall Street Journal” noticiou em 2008 que a empresa Alstom, francesa, molhara mãos de brasileiros em contratos fechados entre 1995 e 2003. Coisa de US$ 32 milhões, para começar. O Judiciário suíço investigava a Alstom e tinha listas com nomes e endereços de pessoas beneficiadas. Um diretor da filial brasileira foi preso e solto. Outro, na Suíça, também foi preso e colaborou com as autoridades.

Um aspecto interessante desse caso está no fato de que a investigação corria na Suíça, mas andava devagar em São Paulo. Outras maracutaias, envolvendo hierarcas da Indonésia e de Zâmbia, resultaram em punições. Há um ano a empresa alemã Siemens, que participava de consórcios com a Alstom, começou a colaborar com as autoridades brasileiras e expôs o cartel de fornecedores que azeitava contratos com propinas que chegavam a 8,5%.

Em 2008, surgiu o nome de Robson Marinho, chefe da Casa Civil do governo de São Paulo entre 1995 e 2001, nomeado ministro do Tribunal de Contas do Estado. Em março passado, os suíços bloquearam uma conta do doutor num banco local, com saldo de US$ 1,1 milhão. Ele nega ser o dono da arca, pela qual passaram US$ 2,7 milhões. (Marinho tem uma ilha em Paraty.) O Ministério Público de São Paulo já denunciou 30 pessoas e 12 empresas. Como diz a doutora, “todos soltos”.

*Publicado na Folha de S.Paulo

4 ideias sobre “Todos soltos, todos soltos, até hoje

  1. leandro

    É verdade todos soltos, nós é que estamos presos dentro de casa pela violência urbana e dentro do país pela violência do governo e dos políticos, nós estamos presos por não termos nos apropriados de recursos da Petrobrás e nem podemos sair do país, não termos contas no exterior, muitos não tem nem passaporte e não podem sequer viver no Paraguai, Bolívia ou qualquer outro pais aqui na América Latina.

  2. sergio silvestre

    Então né,vamos eleger a comissão de 3% ou a comissão de 8.5%tudo é uma questão de gosto ou de aritmética.

  3. Diogo Almeida

    AiatoElio….expressionante! Só faltou citar no artigo, que os que foram investigados, não foi encontrado motivos para punir, faltou citar que estas denuncias saíram em maioria das hostes petistas, e foram sim investigadas, porém mostraram se inexistentes….faltou colocar que dona Dilma e Lula estão no governo há 12 anos, poderiam ter reaberto seus dossiês para serem novamente investigados, e não o fizeram…. Este camarada Elio Gaspari, famoso por se vender baratinho, já tentou reescrever a história com a coletânea da Ditadura…. Onde muitos dos fatos que ele conta, são ficção, são mentiras….ai ai, o tempo passou e ele ainda não aprendeu! Não tendo coragem de escrever a favor daquele que torce, se coloca como neutro, para tentar achar alguma igualdade! E ficamos assim, um partido no poder faz 12 anos, que não quer largar o osso, que vive de passado, e pior, usando de mentiras….sem plano algum para o futuro….é um partido que tem sim seus problemas, mas que não passa a mão na cabeça, que defende a apuração de todos os mals feitos e age com a verdade! Fornece chance de um futuro…,.

  4. leandro

    Sempre venho falando que o PT com seu povo se acham semideuses, agora tenho certeza de que eles se acham deuses, daí dá para dizer que o futuro aos deuses pertence e do jeito que a coisa se encontra este futuro não será nada bom, para nós é claro, para o pessoal que divide os lucros paralelos da PTRIBRÁS e do MENSALÂO deve ser ótimo, mesmo que a PRESIDANTA tenha dito que vai buscar a grana esteja onde estiver ( deve perguntar a um tal de João Vaccari).

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