por Zé da Silva
Escorpião
Aprendeu nos filmes a recortar os jornais que noticiavam as obras realizadas. A do dia anterior foi perfeita. O tiro estraçalhou o nariz e fez um rombo na nuca do poderoso. Ele nem sentiu, pensou o atirador em seu esconderijo perfeito. Era uma cobertura triplex no bairro mais chique da cidade. Herança bilionária. Cidadão acima de qualquer suspeita. Categoria anjo. Educado, culto, muito inteligente, discreto. Resolveu que iria ajudar o país porque cansou de ver a canalhice dos que exerciam qualquer tipo de poder. Treinou para a missão. Nos Estados Unidos, claro, de onde trouxe o fuzil silencioso e com raio de alcance de mil e quinhentos metros. Tratou de estudar o perfil e a rotina dos ladrões. Começou a matar os mais graúdos. Sempre mirava entre os olhos. Ria quando lia sobre a caçada ao matador das personalidades. Variava de estados. Chegava ao requinte de frequentar os ambientes onde as vítimas estavam. Via aumentar o grau de apavoramento, mas não a safadeza. Apertava o gatilho de 15 em 15 dias – de propósito. Não falhava. Apenas um repórter atentou para o fato de as vítimas sempre estarem envolvidas em escândalos – a maioria esquecidos. Depois da vigésima morte ele notou que alguns demônios tentavam vestir roupa de anjos. Esses passavam para a dianteira da lista. Um dia resolveu dar um tempo para sentir se a missão tinha surtido algum efeito. Alugou um jatinho. O destino era uma ilha. Desapareceu no caminho. O país continuou na mesma.