7:12Os males do Brasil

por Ivan Schmidt

A menos de vinte dias das eleições gerais de 5 de outubro está configurado um quadro de extrema rejeição ao Partido dos Trabalhadores, que não conseguiu emplacar seu candidato ao governo em nenhum estado importante do país. A exceção é Minas Gerais, onde Fernando Pimentel, ex-prefeito de Belo Horizonte e ex-ministro, é o favorito para vencer a eleição.

Do Rio Grande ao Grande Rio, como dizia a propaganda da rede HM, no entanto, aonde a locomotiva que arrasta o Brasil de fato e de direito realmente funciona, do agronegócio à indústria pesada, os candidatos do PT estão apresentando um desempenho sofrível.

No Rio Grande do Sul, o governador Tarso Genro perde para a senadora Ana Amélia, embora a voz corrente reafirme a tradição gaúcha de não reeleger governador (a meu ver uma boa sugestão para o restante do país). Em Santa Catarina o partido jamais chegou a arranhar o conservadorismo arraigado desde meados do século passado, quando Nereu Ramos, Aderbal Ramos da Silva e Celso Ramos (PSD), com pequeno intervalo protagonizado por Irineu Bornhausen e Jorge Lacerda (UDN), que morreu no exercício do cargo, plantaram as sementes que ainda vicejam. O governador eleito é sempre rebento político de um dos troncos, seguindo o mesmo modelo patrimonialista vigorante em muitos estados nordestinos.

Em nosso estado, a senadora Gleisi Hoffmann, eleita para a Câmara Alta com expressiva votação, amarga hoje um anêmico terceiro lugar, embora tenha a lamentar que no momento mesmo em que se preparava para partir em busca da eleição para o governo (estratégia que o PT alimenta há décadas), sofreu o impacto das ações corrosivas do deputado André Vargas, seu virtual coordenador de campanha, e do ex-assessor da Casa Civil Eduardo Gaievski (condenado a 18 anos de cadeia), além do desgaste inevitável das condenações impostas pelo Supremo Tribunal Federal aos principais líderes do partido.

Todavia, o desempenho de Gleisi na campanha também não foi aquilo que se espera de um postulante ao governo do estado, à vista de um discurso inconvincente e desprovido de flama e entusiasmo. Não bastasse isso, o esforço de Gleisi para convencer um eleitorado também conservador (no passado o Paraná votou maciçamente em Plínio Salgado, Jânio Quadros e Guilherme Afif Domingos), ainda foi represado também pelos indícios cabeludos de corrupção na Petrobras descobertos pela Polícia Federal na operação Lava Jato.

Em São Paulo, berço natal do partido, o candidato inventado pelo ex-presidente Lula (Alexandre Padilha) para disputar o governo em 2014, não conseguiu suplantar a marca de um dígito nas pesquisas, tudo indicando que a essa altura o poste mal foi notado pela população. Não será dessa vez que o partido nascido dos embates sindicais no ABC, nos anos 70, quando o torneiro mecânico da Villares eleito presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo do Campo, em pouco tempo tornar-se-ia líder nacional, levará um de seus quadros a sentar na cadeira mais cobiçada do Palácio dos Bandeirantes.

É no mínimo curioso pensar que o Palácio dos Bandeirantes originalmente foi construído para servir de residência à família do conde Matarazzo, poderoso capitão de indústrias em São Paulo e outros estados, inclusive o nosso, um dos milhares de imigrantes italianos que vieram fazer a América e enriqueceu no Brasil. Pelo que se percebe ainda não chegou a hora de um pequeno burguês entrar pela porta principal do imenso edifício neoclássico (é esse o estilo?), doado pelos herdeiros ao governo paulista, envergando a faixa de governador do estado mais rico da Federação.

Mas é ainda mais curioso observar que um descendente do conde Matarazzo, o performático Eduardo Matarazzo Suplicy disputa seu enésimo mandato de senador exatamente pelo Partido dos Trabalhadores, legenda na qual se fez politicamente apesar da inegável posição no topo da pirâmide social.

O candidato do PT ao governo é médico, assim como o atual governador Geraldo Alckmin, que deverá ser reeleito, obteve por mérito pessoal um diploma no ensino superior escolhendo uma carreira distintiva como a medicina, mas isso não está lhe ajudando a romper a barreira existente entre o PT e a maioria do eleitorado. Discriminação? Em parte pode ser, embora o argumento mais evidente seja o fato de que o estrato populacional uma vez definido pelo presidente Richard Nixon como “maioria silenciosa”, ainda não ter o necessário de convencimento para afastar a temeridade de entregar o governo a um político de partido compromissado ideologicamente com movimentos radicais como o MST, apenas para ficar com esse exemplo.

No Rio de Janeiro, onde o PT já teve desempenhos bem mais promissores, apoiado pelo mesmo eleitor independente que elegeu Brizola duas vezes governador, o candidato Lindberg Farias está muito distante de Garotinho, Crivela e Pezão, o atual governador que também não tem a menor certeza de que vai prosseguir no cargo.

Essa conjuntura desfavorável para o PT em extensa área geográfica e densidade populacional, tem reflexos palpáveis nas intenções de voto na presidente Dilma Rousseff. Assim, a vantagem da candidata da aliança governista, muitas vezes caracterizada como empate técnico, é garantida pelos estados do Norte e Nordeste, com exceção do Acre e Pernambuco, nos quais Marina Silva desponta.

Não é à toa que nos últimos dias, pressentindo o pior, a entonação da campanha de Dilma recrudesceu a virulência dos ataques à seguidora de Chico Mendes, num processo logo identificado pela imprensa como estratagema de desconstrução da imagem ética e moral de uma mulher simples, mas altaneira e inquebrantável em suas convicções pessoais e políticas.

A última mentira assacada contra Marina partiu do próprio Lula, para quem, se eleita fará a terceirização da presidência, como se governar um país da dimensão e da importância do Brasil fosse administrar uma quitanda. Logo ele que fez do ministro José Dirceu o “capitão do time”, provavelmente delegando ao então agregado a maioria das aporrinhações inerentes à função. E, não titubeou em fazer o mesmo com Dilma a quem sempre se referiu como “gerentona e mãe do PAC”, fazendo de conta que o Brasil acabava de estrear a versão cabocla da Mulher Maravilha.

Dona Dilma não se fez de rogada e foi buscar no conhecimento científico que seu ministro do marketing, o miliardário João Santana, tem do comportamento da ralé, imensa coleção de impropérios contra Marina, desfilando como uma reencarnação tardia de Luiz XIV, o Rei Sol.

É desnecessário dizer que as épocas históricas e as situações diferem, mas não é estranho aplicar ao atual contexto político brasileiro a percepção do historiador inglês Peter Burke em História e teoria social (Editora Unesp, SP, 2012), de que no século XVII a corte francesa era considerada um microcosmo do universo: “Salas planetárias nos palácios e representações de reis como deuses emprestavam relevo à analogia”. O historiador lembra, ainda, que o despertar de Luís XIV, um ritual diário como suas refeições e os preparativos para dormir “eram uma analogia com o nascer do sol”. E os cortesãos batiam palmas frenéticas.

Em Pindorama, a maioria dos cortesãos habita os cafundós do território, onde os únicos resquícios civilizatórios são os cartões emitidos pela Caixa Econômica Federal para o saque da espórtula do Bolsa Família.

Além da saúva, da preguiça, das doenças medievais, da burocracia, do sistema tributário escorchante e do aparelhamento do estado por uma corja de aproveitadores, os males do Brasil são acrescidos pelo estilo imperial de governar. Às urnas, cidadãos!

 

 

Uma ideia sobre “Os males do Brasil

  1. Célio Heitor Guimarães

    Grande, Ivan! Como diz, com rima e tudo, o nosso guia ZB, quando a pancada é bem dada, ninguém diz nada. Parabéns pela sensatez do texto, como de costume, aliás. E você está fora da grande imprensa impressa…! É compreensível.

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