por Ivan Schmidt
A menos de vinte dias das eleições gerais de 5 de outubro está configurado um quadro de extrema rejeição ao Partido dos Trabalhadores, que não conseguiu emplacar seu candidato ao governo em nenhum estado importante do país. A exceção é Minas Gerais, onde Fernando Pimentel, ex-prefeito de Belo Horizonte e ex-ministro, é o favorito para vencer a eleição.
Do Rio Grande ao Grande Rio, como dizia a propaganda da rede HM, no entanto, aonde a locomotiva que arrasta o Brasil de fato e de direito realmente funciona, do agronegócio à indústria pesada, os candidatos do PT estão apresentando um desempenho sofrível.
No Rio Grande do Sul, o governador Tarso Genro perde para a senadora Ana Amélia, embora a voz corrente reafirme a tradição gaúcha de não reeleger governador (a meu ver uma boa sugestão para o restante do país). Em Santa Catarina o partido jamais chegou a arranhar o conservadorismo arraigado desde meados do século passado, quando Nereu Ramos, Aderbal Ramos da Silva e Celso Ramos (PSD), com pequeno intervalo protagonizado por Irineu Bornhausen e Jorge Lacerda (UDN), que morreu no exercício do cargo, plantaram as sementes que ainda vicejam. O governador eleito é sempre rebento político de um dos troncos, seguindo o mesmo modelo patrimonialista vigorante em muitos estados nordestinos.
Em nosso estado, a senadora Gleisi Hoffmann, eleita para a Câmara Alta com expressiva votação, amarga hoje um anêmico terceiro lugar, embora tenha a lamentar que no momento mesmo em que se preparava para partir em busca da eleição para o governo (estratégia que o PT alimenta há décadas), sofreu o impacto das ações corrosivas do deputado André Vargas, seu virtual coordenador de campanha, e do ex-assessor da Casa Civil Eduardo Gaievski (condenado a 18 anos de cadeia), além do desgaste inevitável das condenações impostas pelo Supremo Tribunal Federal aos principais líderes do partido.
Todavia, o desempenho de Gleisi na campanha também não foi aquilo que se espera de um postulante ao governo do estado, à vista de um discurso inconvincente e desprovido de flama e entusiasmo. Não bastasse isso, o esforço de Gleisi para convencer um eleitorado também conservador (no passado o Paraná votou maciçamente em Plínio Salgado, Jânio Quadros e Guilherme Afif Domingos), ainda foi represado também pelos indícios cabeludos de corrupção na Petrobras descobertos pela Polícia Federal na operação Lava Jato.
Em São Paulo, berço natal do partido, o candidato inventado pelo ex-presidente Lula (Alexandre Padilha) para disputar o governo em 2014, não conseguiu suplantar a marca de um dígito nas pesquisas, tudo indicando que a essa altura o poste mal foi notado pela população. Não será dessa vez que o partido nascido dos embates sindicais no ABC, nos anos 70, quando o torneiro mecânico da Villares eleito presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo do Campo, em pouco tempo tornar-se-ia líder nacional, levará um de seus quadros a sentar na cadeira mais cobiçada do Palácio dos Bandeirantes.
É no mínimo curioso pensar que o Palácio dos Bandeirantes originalmente foi construído para servir de residência à família do conde Matarazzo, poderoso capitão de indústrias em São Paulo e outros estados, inclusive o nosso, um dos milhares de imigrantes italianos que vieram fazer a América e enriqueceu no Brasil. Pelo que se percebe ainda não chegou a hora de um pequeno burguês entrar pela porta principal do imenso edifício neoclássico (é esse o estilo?), doado pelos herdeiros ao governo paulista, envergando a faixa de governador do estado mais rico da Federação.
Mas é ainda mais curioso observar que um descendente do conde Matarazzo, o performático Eduardo Matarazzo Suplicy disputa seu enésimo mandato de senador exatamente pelo Partido dos Trabalhadores, legenda na qual se fez politicamente apesar da inegável posição no topo da pirâmide social.
O candidato do PT ao governo é médico, assim como o atual governador Geraldo Alckmin, que deverá ser reeleito, obteve por mérito pessoal um diploma no ensino superior escolhendo uma carreira distintiva como a medicina, mas isso não está lhe ajudando a romper a barreira existente entre o PT e a maioria do eleitorado. Discriminação? Em parte pode ser, embora o argumento mais evidente seja o fato de que o estrato populacional uma vez definido pelo presidente Richard Nixon como “maioria silenciosa”, ainda não ter o necessário de convencimento para afastar a temeridade de entregar o governo a um político de partido compromissado ideologicamente com movimentos radicais como o MST, apenas para ficar com esse exemplo.
No Rio de Janeiro, onde o PT já teve desempenhos bem mais promissores, apoiado pelo mesmo eleitor independente que elegeu Brizola duas vezes governador, o candidato Lindberg Farias está muito distante de Garotinho, Crivela e Pezão, o atual governador que também não tem a menor certeza de que vai prosseguir no cargo.
Essa conjuntura desfavorável para o PT em extensa área geográfica e densidade populacional, tem reflexos palpáveis nas intenções de voto na presidente Dilma Rousseff. Assim, a vantagem da candidata da aliança governista, muitas vezes caracterizada como empate técnico, é garantida pelos estados do Norte e Nordeste, com exceção do Acre e Pernambuco, nos quais Marina Silva desponta.
Não é à toa que nos últimos dias, pressentindo o pior, a entonação da campanha de Dilma recrudesceu a virulência dos ataques à seguidora de Chico Mendes, num processo logo identificado pela imprensa como estratagema de desconstrução da imagem ética e moral de uma mulher simples, mas altaneira e inquebrantável em suas convicções pessoais e políticas.
A última mentira assacada contra Marina partiu do próprio Lula, para quem, se eleita fará a terceirização da presidência, como se governar um país da dimensão e da importância do Brasil fosse administrar uma quitanda. Logo ele que fez do ministro José Dirceu o “capitão do time”, provavelmente delegando ao então agregado a maioria das aporrinhações inerentes à função. E, não titubeou em fazer o mesmo com Dilma a quem sempre se referiu como “gerentona e mãe do PAC”, fazendo de conta que o Brasil acabava de estrear a versão cabocla da Mulher Maravilha.
Dona Dilma não se fez de rogada e foi buscar no conhecimento científico que seu ministro do marketing, o miliardário João Santana, tem do comportamento da ralé, imensa coleção de impropérios contra Marina, desfilando como uma reencarnação tardia de Luiz XIV, o Rei Sol.
É desnecessário dizer que as épocas históricas e as situações diferem, mas não é estranho aplicar ao atual contexto político brasileiro a percepção do historiador inglês Peter Burke em História e teoria social (Editora Unesp, SP, 2012), de que no século XVII a corte francesa era considerada um microcosmo do universo: “Salas planetárias nos palácios e representações de reis como deuses emprestavam relevo à analogia”. O historiador lembra, ainda, que o despertar de Luís XIV, um ritual diário como suas refeições e os preparativos para dormir “eram uma analogia com o nascer do sol”. E os cortesãos batiam palmas frenéticas.
Em Pindorama, a maioria dos cortesãos habita os cafundós do território, onde os únicos resquícios civilizatórios são os cartões emitidos pela Caixa Econômica Federal para o saque da espórtula do Bolsa Família.
Além da saúva, da preguiça, das doenças medievais, da burocracia, do sistema tributário escorchante e do aparelhamento do estado por uma corja de aproveitadores, os males do Brasil são acrescidos pelo estilo imperial de governar. Às urnas, cidadãos!
Grande, Ivan! Como diz, com rima e tudo, o nosso guia ZB, quando a pancada é bem dada, ninguém diz nada. Parabéns pela sensatez do texto, como de costume, aliás. E você está fora da grande imprensa impressa…! É compreensível.