de Jorge Luis Borges
De todas as ruas que escurecem ao pôr-do-sol,
deve haver uma (eu não sei dizer qual),
em que já passei pela última vez
sem perceber, refém daquele Alguém
que, com antecedência, fixa leis onipotentes,
ajusta uma balança secreta e inflexível,
para todas as sombras, formas e sonhos
tecidos na textura desta vida.
Se há um limite para todas as coisas, e uma medida,
e uma última vez, e nada mais, e esquecimento,
quem nos dirá a quem, nesta casa,
nós, sem saber, já dissemos adeus?
Pela janela que amanhece a noite se retira
e entre os livros empilhados que lançam sombras irregulares na mesa difusa,
deve haver um que eu jamais lerei.
Há uma porta que você fechou pra sempre
e algum espelho o esperará em vão;
Há uma, entre todas tuas memórias,
que agora está perdida além da evocação.
Você nunca recapturará o que o Persa
disse em seu idioma tecido com pássaros e rosas,
quando, ao pôr-do-sol, antes que a luz disperse,
você quer pôr em palavras tantos inesquecíveis.
Ao amanhecer pareço ouvir o turbulento
murmúrio de multidões crescendo e dissolvendo;
tudo por que fui amado, esquecido,
espaço, tempo, e Borges, vão me deixar agora.
*Tradução de Millôr Fernandes