de Miguel Sanches Neto
Toca sanfona em praça pública e sempre consegue mais do que precisa para o quarto de pensão e o pê-efe. O dinheiro que sobra ele aplica na Raspinha. Já ganhou duas vezes. Sem saber até hoje, o vendedor bem quieto ficou com o prêmio.
— Roubando cego, hein! – disse um bêbado que percebeu a malandragem.
Os olhos são duas caçapas de mesa de sinuca, lacradas por uma courama murcha.
Em Peabiru, foi sanfoneiro de zona. Trabalhava de noite e cochilava de dia no quarto das mulheres. Os gigolôs nem se incomodavam com a presença de um morcego.
Em Curitiba, continua sua vida noturna sob o sol. Das nove às vinte horas pode ser encontrado no calçadão da Rua XV, nunca no mesmo lugar. Pula de um canto para outro do tabuleiro este que é o senhor da noite.
Sapo é seu fiel empresário. Cuida para que ninguém roube as gorjetas. Vigia a sanfona e o banquinho enquanto Tome sai para o almoço ou para jogar. Olhos vermelhos de bebida, Sapo recebe indiferente o sanduíche de pão com vina e a garrafinha de refri. No final do dia fica com 20% dos lucros, que ele contabiliza errado, roubando o que pode. Com o que consegue indevidamente, à noite se embebeda.
Agora o Tomé vai pro restaurante, tateando o chão com a bengala. Os meninos que catam papel, ao vê-lo, gritam por pura diversão.
— Pega!
— Isso mesmo, vamos pegar o dinheiro do Tomé.
— Está no bolso da calça.
— Aproveita que ninguém tá vendo.
— Agora!
Em pânico, ele fica parado, atrapalhando as pessoas que passam. Encolhe-se todo, as mãos protegendo o bolso, e chora em silêncio, na sua solidão de cego.
As lágrimas escorrem para dentro.
Zé Beto:
” … e chora em silêncio, na sua solidão de cego.
As lágrimas escorrem para dentro.”
Caramba, que coisa mais linda! Isso não foi digitado, não. Foi escrito à mão, no bloquinho, reescrito e rabiscado durante uns dois dias. Obrigado, Sanches!