15:53Sergio Rodrigues, bem vindo!

por Yuri Vasconcelos Silva*

Um extenso gramado esparramado pelo solo por todos os lados até o horizonte. Um punhado de montes relvados ao norte, quase oculto pelo manto azulado e translúcido de uma névoa típica do frio. Floquinhos suspensos de brilho dourado, como poeira, cintilam flutuantes no ar. Sérgio se aproxima de um cubo branco marmóreo de toque acetinado, imenso em suas três grandezas, alta como a Catedral de Colonia. Uma porta simples, vermelha, sinaliza a única possibilidade de entrada e de respostas nos últimos 3 dias.

Sergio abre a porta, que gira suave e revela um interior tão branco quanto o de fora, exceto pelo piso monolítico vermelho, uma poltrona Barcelona e uma chaise longue Rio. Sergio se estira sobre a chaise, numa posição preguiçosa e paciente em relação ao seu interlocutor sentado na poltrona, Oscar Niemeyer:

ON – Estávamos esperando. Vê este enorme vestíbulo? Até agora Ele escolheu apenas esta poltrona sobre a qual estou sentado e a minha chaise em que você descansa. Precisa de sua ajuda para o restante.

SR – Não sei. Tinha conexão forte com aquela terra ali embaixo, o Brasil. Tudo que fiz nasceu dela. Do povo, do índio, na natureza única. Madeira, palha, couro, encaixes, entalhos. Daqui nada sei, sou novo nesta empresa.

ON – Não é muito diferente de quando começou, quando jovem. Recorda-se? Sua primeira loja de móveis modernos, em Curtiba. O projeto do Centro Cívico também na capital paranaense. Mesmo não tão experiente, carrega a sabedoria do fazer. Precisa apenas encontrá-la aqui, neste espaço.

SR – Este lugar é mesmo bonito, mas vazio demais. Contemplação é bom, mas o espírito às vezes só quer curtir um aconchego, um cafuné. Um pouco de desejo, sensação tátil e calor não faz mal à ninguém, mesmo aos mortos.

ON – Sempre defendi a mesma postura. Por isso te indiquei, naqueles tempos, para mobiliar e projetar os interiores de Brasília.

SR – Diga-me, Oscar, por que fui escolhido por Ele para este trabalho?

ON – Ele até achou elegante e belo este espaço como está, mas um tanto frio. O projeto é de um par de arquitetos, um francês e um alemão. Então Ele resolveu mudar tudo, e fez questão de chamar representantes da arquitetura genuína brasileira, no que ele considera o traço mais criativo, despojado e cordial do mundo.

SR – Eu e você. Vamos dar conta deste espaço infinito?

ON – Acredito que sim. Temos tempo infinito.

SR – Neste caso, não devíamos começar…

ON – Ainda não. Temos tempo, meu amigo. Venha, me acompanhe, vamos beber. Tem um bocado de gente querendo te ver. Seus pais, seu tio Nelson, amigos e uns arquitetos. Seja bem vindo, Sérgio.

*Yuri Vasconcelos Silva é arquiteto

Uma ideia sobre “Sergio Rodrigues, bem vindo!

  1. Célio Heitor Guimarães

    Muito bom, Yuri. Quando eu era funcionário do egrégio Tribunal de Justiça do Estado, o Gabinete da Presidência era decorado com poltronas e sofás criados por Sérgio Rodrigues. Não devem estar mais lá. Algum luminar da nova era, com capa preta ou não, deve ter achado tudo aquilo um monte de quinquilharia ultrapassada e mandado recolher a um depósito do Poder Judiciário.

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