No excepcional livro “Os Eleitos”, que deveria fazer parte do currículo dos cursos de jornalismo, Tom Wolfe descreve a cena de um bando de repórteres tentando invadir a casa da mulher de um astronauta que está lá em cima numa das missões Apollo e corre risco de morrer. Destroem as flores e tudo mais, na esperança de ouvir uma palavrinha da mulher que, assustada, vê tudo aquilo por uma fresta da cortina. Urubus em busca de carniça, carimba o escritor.
O que se viu depois do acidente trágico que matou Eduardo Campos, que era candidato a presidente da República, foi além disso, porque, além dos repórteres ávidos para mostrar ao menos um pedaço incinerado de cadáver, a campanha presidencial fez com que os políticos em busca de votos aumentassem a revoada dos carniceiros, além daqueles que apareceram para mostrar até onde vai a falsidade humana. Se até a véspera eram inimigos, chutando de toda forma os bagos do ex-governador e, provavelmente, desejando o pior para ele, depois da queda do jatinho verteram lágrimas e o colocaram no panteão dos grandes líderes que tinham tudo para conduzir a massa ignara deste país.
Foi de dar engulhos tal espetáculo que se arrastou da quarta-feira passada até o enterro do caixão ontem à noite, no Recife. Sim, faz parte da profissão ser urubu, porque o veículo necessita, mas a afoiteza onde a pergunta de como parentes dos mortos estavam se sentindo é normal, produziu a patética cena do repórter global entrevistando um socorrista falso que disse ter tirado o corpo de Eduardo Campos do que restou do avião, de ter dito que ali estavam crianças (os filhos?) e que chorou a morte do “querido candidato”.
Para quem vê a cena, que foi ao ar e ficou no site da emissora por um bom tempo, era só olhar para a roupa e a máscara do pilantra, intactas, para se saber que ali estava acontecendo algo como o produzido por outro global, Mario Sergio Conti, que entrevistou um sósia de Felipão no avião achando que ele era o verdadeiro (o treinador, naquela hora, estava com a seleção no Nordeste) – e o texto foi publicado na íntegra pelos jornais Folha de São Paulo e O Globo.
Neste show de horrores, até a família de Eduardo Campos entrou na barafunda midiática. Os filhos adolescentes percorreram o trajeto entre o aeroporto e a sede do governo, onde o corpo foi velado, se postando ao lado do caixão em cima do carro do corpo de bombeiros erguendo o braço e cerrado os punhos, algo que lembrou Collor de Melo e os mensaleiros. Depois, no enterro, alguém fez o favor de colocar na cabeça deles chapéus de palha que, para os informados, lembraram as Ligas Camponesas. O bisavô desses garotos, Miguel Arraes, político raro nessa história de Brasil, mandou apurar os assassinatos de alguns integrantes, fato ocorrido cinco dias antes de sua posse como governador de Pernambuco.
Os garotos não têm culpa, mas atos midiáticos, com certeza, não faziam parte da cartilha de Arraes, um dos primeiros presos pelos gorilas da ditadura militar. Os candidatos a presidente foram ao velório. Uns mais discretos, outros não. Houve música, fogos de artifício, multidões e um slogan espalhado em camisetas e faixas amarelas: “Não vamos desistir do Brasil”. A frase foi dita por Campos na entrevista que deu ao Jornal Nacional na noite anterior ao desastre. Coisa de publicitário, porque ninguém desiste do próprio país, assim como os urubus não desistem da carniça, porque, se isso acontecesse, morreriam.
*Publicado no site A Gralha (www.agralha.com.br)