por Ruy Castro
O normal seria que, na terça-feira, 5 de agosto, aniversário da morte de Carmen Miranda, o paulistano Doni Sacramento estivesse no Rio, mandando rezar uma missa por Carmen na igrejinha da Lapa dos Mercadores, na rua do Ouvidor, que ela frequentava. Doni fazia isto com seu próprio dinheiro, ele mesmo escrevendo para convidar as pessoas que sabia que gostavam da cantora. Foi onde o conheci, em 2005, pouco antes de publicar meu livro “Carmen – Uma Biografia”.
Em vez disso (e ele não poderia ter sido mais coerente), Doni, 57, estava sendo cremado no cemitério Jardim das Primaveras, em Guarulhos. Morto em São Paulo no dia 1º, de um aneurisma, seu corpo foi encontrado quatro dias depois, em seu apartamento no modesto condomínio em Alphaville, onde morava sozinho.
Doni dedicou a vida a Carmen Miranda. Mais exatamente, a um museu virtual da artista –www.carmen.miranda.nom.br [nom, não com]–, que criou em 2002 e abastecia com fabuloso material sobre ela: bio, disco e filmografia, fotos, vídeos, caricaturas, entrevistas, frases e o que se publicou a seu respeito na imprensa, de 1929 até hoje. Ou até a semana passada, já que ele não estará mais aqui para recortar e colar.
Tudo que ganhava, como professor de inglês e espanhol, Doni investia no site. O qual nunca lhe rendeu um centavo –julgava heresia lucrar às custas de Carmen. Com sua morte, esse material só continuará na internet se seus amigos puderem cuidar dele. O ideal seria que o Museu Carmen Miranda, agora parte do novo Museu da Imagem e do Som, o assumisse.
A campanha por uma estátua de Carmen no Rio perde também o seu mais ardente militante –e que pena que ele não viverá para admirá-la em alguma rua da cidade. O que estou dizendo? Nem eu sei se estarei vivo quando –e se– essa estátua se materializar.
*Publicada na Folha de S.Paulo