por Bernardo Mello Franco
Muita gente não sabe, mas o escritor João Ubaldo Ribeiro era também cientista político. Foi professor da Universidade Federal da Bahia e, para azar da academia, deixou a cátedra para se dedicar à literatura. Mesmo assim, manteve-se um afiado observador do poder e de seus ocupantes.
Em 1981, lançou “Política”, raro ensaio em uma obra marcada por grandes romances e seleções de crônicas. Com estilo despretensioso, o livro foi concebido como um manual para “trabalhadores, estudantes e o povo em geral”, no momento em que o país preparava a volta à democracia. Suas ideias continuam atuais, o que indica que os nossos problemas não mudaram muito.
Ubaldo escreve que a política, em qualquer regime, gira em torno de três questões: quem manda, por que manda, como manda. “O Estado representa o interesse público, embora muitas vezes defenda apenas os interesses das elites, das classes dominantes”, pontua. “Não importa o que lhe digam, quem manda é quem está levando vantagem.”
Sem abrir mão do ceticismo, o escritor defende a política e mostra a fragilidade do discurso de que ninguém presta, que voltou à moda nas manifestações de junho. Para ele, quem gosta de se dizer “apolítico” é na verdade conservador, porque não vê necessidade de mudanças.
Se achamos que os políticos são “pouco dignos de confiança, corruptos, incompetentes e assim por diante”, diz, devemos verificar se nossa opinião não se estende também a outras categorias da sociedade, como médicos, mecânicos e banqueiros. “Parafraseando uma frase bíblica, uma árvore boa não pode dar tantos frutos maus”, conclui o autor de “Viva o Povo Brasileiro”.
No fim do livro, Ubaldo afirma que o cidadão bem informado é mais capaz de fazer suas próprias escolhas. Não deixa de ser também uma defesa do jornalismo, outro setor que ficou mais pobre com a sua morte, na última sexta-feira.
*Publicado na Folha de S.Paulo
Só temos o que escolhemos, ou merecemos, em resumo é isto o que diz o falecido. Ninguém sobe a rampa do palácio do Planalto e assume o trono lá existente sem o consentimento popular. Como também ninguém assume o trono do palácio Iguaçu ou das prefeituras sem o sim do povo. Então não reclamemos mais, só temos o que escolhemos.