11:08Sonho de praça

por Yuri Vasconcelos Silva

O urbanista desce com o elevador de porta pantográfica e vai andando até sua praça, aquela com árvores altas. centenárias, boa sombra, muito movimento de lá para cá a distrair os olhos e concentrar os pensamentos. Gotinhas em nuvens às vezes escapam do chafariz e lhe atingem na cabeça calva. Piás sentados em outros bancos aguardam algum cliente, enquanto outros urram e resmungam num jogo de basquete na quadra próxima. Que tarde esplêndida. O urbanista cai em sono.

Na ponta de uma ousadia urbana, uma rua que foi fechada há décadas para exclusividade dos que caminham, a praça que finaliza ou inicia a Rua das Flores enche de orgulho o urbanista que agora vê a continuidade da vanguarda urbana na cidade que nasceu.

Todo o centro da cidade está agora fechado aos carros. Convertido em calçadas para pedestres, ciclovias exclusivas, ruas de tráfego lento para os coletivos movidos a eletricidade. Muitas árvores e jardins em estreitos parques lineares que seguem as velhas ruas que um dia foram asfalto, som e fúria.  Caminhando ao longo destes boulevares, as floriculturas, pet shops, padarias, cafés e bares dão chance ao novo comércio vicinal deste centro que renasce. A rua aproxima as pessoas, os velhos prédios são restaurados e se transformam moradia daqueles que não precisam de carro, pois tudo está aos seus pés. Para quem vem de longe, poderá atravessar esta ilha peatonal  por um dos seis túneis que conectam as principais vias estruturais da cidade, passando direto por baixo do centro, sem semáforos. Para quem deseja ir ao teatro ou se alimentar no Largo da Ordem, basta entrar no anel central, uma grande via circular que contorna o centro como o fosso que protege o castelo, e acessar um dos inúmeros estacionamentos municipais e lá deixar seu antiquado veículo movido a explosão de combustível. Se não quiser ir caminhando, por problema de mobilidade ou preguiça, uma linha de pequenos bondes sobre trilhos passa por todos os estacionamentos e percorre um traçado feito para visitas aos importantes pontos do centro. Ainda podem contar com bicicletas para locação ou segways – aquelas plataformas com duas rodas para um usuário ir de pé, movidos a bateria. Enquanto tudo está agitado no piso e subsolo, com as pessoas no térreo e carros escondidos em túneis no subterrâneo, no topo de todos os edifícios, painéis se inclinam lentamente e procuram o sol, gerando toda a energia consumida pelos seres lá embaixo. O centro é quase inteiramente auto sustentável em energia (não fosse tantos dias cinzentos por ano, mais que Londres).  Curitiba recupera seu centro, volta a ser invejada, divide seu espaço entre caminhantes, ciclistas e motorizados, sem neuras nem farpas.

Um buzinaço sem fim acorda o urbanista. Dormiu uns minutos na praça, acordou e viu que Curitiba perdeu o bonde. Que pena.

*Yuri Vasconcelos Silva é arquiteto

4 ideias sobre “Sonho de praça

  1. Célio Heitor Guimarães

    Perdeu mesmo, Yuri. Em ambos os sentidos. Agora, uma invasão na privacidade: juntando lé com cré, como diz o titular deste blog, ou seja, este texto com o que o segue, deduzo que o arquiteto é filho daquele carequinha acima. Acertei? De todo modo, parabéns.

  2. leandro

    Tem bom gosto, conhecimento e fez análise correta lembrando os bons tempos da cidade e principalmente o que deixou de ser feito depois de um tempo que ficou perdido na falta de ousadia e competência de alguns administradores. Curitiba deixou de inovar e de criar ficou ingual a tantas cidades por aí.

  3. engenheiro curitibano

    Meus parabéns Yuri. Você usou com brilhantismo uma situação fictícia para revelar, de forma didática, a Curitiba que poderia ter sido, a cidade perdida de nossos sonhos e que de fato está, a cada dia, inexoravelmente, mais distante, mais difícil de ser alcançada. Ou quem sabe, talvez, ainda reste a (vã?) esperança de recuperá-la? Como?

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