Ele pediu o telefone para a mulher e trocou algumas palavras com o interlocutor. Há muito a doença tinha tirado até isso dele. Mas se esforçou e o que veio, como sempre, tinha tanta força, tanta alegria, que quem ouvia do outro lado da linha pode ver mais uma vez aquele sorriso aberto de alguém que valorizava o que interessava – a vida, mesmo que o corpo do seu amigo estivesse coberto apenas por pele e osso e o que restou dos músculos de um grande atleta. Ouvi o meu amigo há pouco tempo e, como sempre, era uma lição do que de fato vale nesta caminhada. Hoje Washington levou para o outro lado o que tinha de mais precioso e, naquela hora, as lágrimas que caíram de mansinho depois de ouvir a notícia durante o trajeto que fazia de volta para casa neste dia triste, frio e chuvoso, foram uma espécie de homenagem, lamento e agradecimento pelo fato de ter tido a honra de conhecê-lo atuando em gramados como aquele, no fim daquela rua que percorria e que desembocava no estádio Joaquim Américo. Mais importante, contudo, foi o que conheci fora das quatro linhas. Porque o atleta que flutuava em campo com suas passadas largas e subia como pluma para as cabeçadas certeiras que o notabilizaram, principalmente no excepcional time do Clube Atlético Paranaense de 1982/83, esse todo mundo conhecia. Sim, ele foi com seu parceiro Assis fazer história no Fluminense, onde o “Casal 20” ganhou fama nacional, mas o atacante talentoso, que cuidava da bola com o carinho que seu talento permitia, esse nasceu lá em Valença, na Bahia, e despontou no Galícia para chegar ao Corinthians e passar pelo Internacional antes de desembarcar aqui nesta Curitiba que ele adotou, onde casou duas vezes, teve filhos e escolheu para viver até seus 54 anos. Ver aquele Washington, cujo talento ficará registrado para sempre na calçada da fama do Maracanã, era uma coisa, assim como receber notícias de algumas complicações que teve fora do gramado, como na vez em que seu carro invadiu uma loja ou caiu num rio canalizado em madrugadas na capital paranaense. Entrar num quarto de hospital, depois de um longo período sem encontrá-lo, e se deparar com um ex-atleta já atacado pela doença degenerativa, andando com dificuldade, pernas atrofiadas, também foi muito difícil como nas outras vezes em que o signatário foi visitá-lo durante os vários internamentos. Mas isso não era nada diante do que ele transmitia. Washington Cesar Santos simplesmente irradiava alegria ao abrir sempre um sorriso tão franco, tão iluminado, tão cheio de energia que, era batata, qualquer resquício de pensamento negativo saía imediatamente pela janela, desaparecia – e nossas conversas eram sempre alegres, mesmo quando ele não podia falar muito por conta da traqueostomia que o ajudava a respirar. Um dia, na televisão, naqueles programas que reprisam gols do passado, vi um lance que encerrava todo seu talento, determinação e que não resultou num gol dele, apesar de ter feito tudo para o desfecho consagrador. No Maracanã, uma bola quicou perto da linha lateral do campo, lado direito, perto da linha central, e um marcador entrou para dividir a jogada; ele esticou aquele pernão, chapelou, matou no peito e partiu na direção do gol; Assis entrava pelo meio e pedia desesperado a bola, pois tinha mais condição de finalizar; Washington não passou, driblou mais um e bateu cruzado, rasteiro, já dentro da grande área; o goleiro se esticou todo e rebateu; Assis vinha na corrida e estufou as redes. Ao ouvir o relato, quase imóvel na cama do hospital, Washington abriu um sorriso e disse que tinha s tentar o gol, pois a jogada foi toda dele. Perfeito. Aquele gol foi dele e, aqui, ao dar um até logo ao meu saudoso chapa, me atrevo a dizer que jamais esquecerei o grande lance da vida dele, que foi o de passar a essência do que interessa, para quem viveu perto, mesmo que em momentos fugazes desta caminhada. Obrigado. Amém.
Belas palavras, bela e justa homenagem de quem, como você amigo, conheceu a essência do nosso ídolo. Sentiu a alegria daquele coração, a sensibilidade, a humildade, a serenidade, mesmo quando perdido nos caminhos tortuosos dessa vida maluca. O Washington amou sua homenagem, tanto quanto os momentos que vocês passaram juntos.
Pois é, Zé, esse danado levou com ele um pedacinho do meu sorriso rubro-negro. De um tempo em que a nossa torcida era muito mais feliz.
belo texto, zé beto. emocionante como era o futebol dos tempos do casal 20.