No reino do tucanato paulista, a denúncia do dia é a de que houve pressão política para o Tribunal de Contas daquele estado destravasse a licitação para implantação dos sistemas de trens de uma linha do metrô em 2005, durante o governo de Geraldo Alckmin, segundo informa a Folha de S.Paulo (ler abaixo). O trem estava parado, mas, de repente, não mais que de repente, depois de um e-mail revelado agora pela autoridades federais que investigam o caso, em 15 dias o processo andou e os conselheiros liberaram o caminho que fez a coisa descarrilar agora, nove anos depois, com a denúncia de corrupção alimentada pelos milhões da multinacional Allston. Se alguém acredita que esse é um caso raro e isolado, ou seja, da tática de se travar processos que envolvem milhões para se “conversar sobre os impedimentos” para liberar tudo na sequência… bem, aí pode chamar o serviço de remoções pois está vivendo em outros mundos, não o deste imenso país.
Pressão política fez TCE liberar licitação, diz e-mail da Alstom
O Metrô paulista pressionou o TCE (Tribunal de Contas do Estado) de São Paulo para que a corte liberasse uma licitação de interesse da Alstom, aponta e-mail encontrado na multinacional por autoridades federais. Uma semana após a mensagem, o TCE cassou uma decisão que bloqueava a concorrência e deixou que ela prosseguisse.
O tribunal paulista resolveu o caso todo em 15 dias, com rapidez incomum. Em geral, processos como esse demoram de 30 a 60 dias.
Posteriormente, a Alstom venceu a licitação com uma proposta acima do valor do orçamento elaborado pelo Metrô, o que é também inusual em concorrências com livre disputa entre empresas.
O e-mail trata da licitação de 2005 da linha 2-verde do Metrô para implantação dos sistemas de trens do trecho entre as estações Ana Rosa e Alto do Ipiranga, no governo de Geraldo Alckmin (PSDB).
A Alusa, concorrente da Alstom, pediu ao TCE para barrar a concorrência no dia 16 de fevereiro de 2005.
Segundo a empresa, o Metrô colocou em um só pacote da licitação quatro sistemas de equipamentos que podiam ser vendidos separadamente. Esse tipo de concentração, de acordo com a Alusa, violava a Lei de Licitações.
A legislação determina que os fornecimentos devem ser divididos sempre que possível, para aumentar a disputar e reduzir os preços.
Em 19 de fevereiro de 2005, o então conselheiro do TCE Eduardo Bittencourt acolheu o argumento e suspendeu provisoriamente a licitação. Bittencourt chegou a ser afastado do TCE pela Justiça, sob suspeita de enriquecimento ilícito, em ação judicial sem ligação com o Metrô, mas depois reassumiu o cargo.
Três dias depois, o diretor da Alstom Wagner Ribeiro enviou e-mail à colega Stephanie Brun para informar sobre a situação da concorrência.
Disse que a apresentação das propostas da licitação estava bloqueada no TCE em razão da impugnação da Alusa, e que o “cliente” (o Metrô) havia colocado em ação um “esquema político” para liberar a entrega das ofertas.
“A apresentação de propostas foi bloqueada pelo Tribunal de Contas do Estado de São Paulo em razão de ação judicial da Alusa (empresa brasileira) contra o processo licitatório. O cliente colocou em prática um esquema político para liberar a apresentação das propostas”, afirmou Ribeiro no e-mail.
No dia seguinte, o plenário do TCE confirmou decisão favorável à Alusa. Porém, em 2 de março o plenário cassou a liminar concedida por ele mesmo e liberou a licitação, como queria a Alstom.
O TCE aceitou o argumento técnico do Metrô de que a divisão no fornecimento dos equipamentos poderia comprometer a segurança e a confiabilidade dos sistemas.
A decisão foi unânime. Um dos votos foi o de Robson Marinho, investigado sob suspeita de beneficiar a Alstom em contrato de 1998. Dois meses depois do julgamento, a empresa francesa venceu a licitação em consórcio com a alemã Siemens.
Segundo delação feita pela Siemens em 2013 ao Conselho Administrativo de Defesa Econômica, ela, a Alstom e outras empresas formaram um cartel para fraudar a licitação da linha 2.
O Metrô e o TCE-SP negam que tenha havido pressão de natureza política no julgamento de 2005 sobre a licitação da linha 2-verde.
OUTRO LADO
Em nota, o Metrô diz que “não adota, não autoriza e desconhece qualquer conduta como a sugerida no e-mail citado pela reportagem”.
Ainda segundo a nota, o Metrô “não pode responder pela troca de mensagens entre profissionais de outra empresa, em contexto desconhecido e ambiente externo à sua área administrativa”.
A estatal afirma que a impugnação da Alusa não foi bem-sucedida em razão da “indivisibilidade do objeto da concorrência e a possibilidade, prevista no edital e na lei, da formação de consórcios”.
O TCE informa que suas decisões “apoiam-se em considerações de ordem técnica e de conveniência do interesse público” e que a licitação da linha 2 não fugiu à regra.
Quanto à rapidez no julgamento, a corte diz que “o prazo de apreciação deste processo não destoa da esmagadora maioria dos feitos da espécie. Nesse contexto, a expressão ‘esquema político’ soa extravagante”.
O advogado de Eduardo Bittencourt, Paulo Sérgio Santo André, afirma que as decisões no caso da licitação da linha 2 “pautaram-se pela estrita legalidade, tanto que posteriormente foram confirmadas pelo Plenário”. O defensor diz que há irregularidades na ação judicial contra Bittencourt e a Justiça reconhecerá a inocência dele.
A Alstom afirma que “não concluiu a avaliação do processo” e não se manifestou.
Robson Marinho disse ao plenário do TCE em 14 de maio que nunca recebeu suborno de qualquer empresa.