por Xico Sá
Amigo pró-Copa, amigo da turma do “não vai ter Copa”, o Mundial da Fifa se aproxima como uma genuína comédia de erros. Desta vez escrita não pelo Shakespeare, mas pelo Lima Barreto ou pelo Graciliano Ramos, para citar apenas dois dos nossos brasileiríssimos escritores que odiavam o futebol.
Na real da guerra, uma obra coletiva. Com chistes de Millôr Fernandes, arremates do Barão de Itararé, citações do livro “Aos trancos e barrancos”, de Darcy Ribeiro, alguns diálogos de João Emanuel Carneiro (autor de “Avenida Brasil”) e texto final do gênio maior da nossa dramaturgia, o tio Nelson Rodrigues.
Cena 1. Um coro greco-baiano, em ritmo de canto de estádio, entoa: “O complexo de vira-lata voltou, complexo de vira-lata voltou ôôô!”
Agora não mais com a bola nos pés. Imagino. Mas fora das tais arenas, nossas obras incompletas. Convidaria o José Celso Martinez Corrêa para dirigir a grande ópera barroca e popular brasileira.
Uma peça com os avanços de uma civilização que até se livrou de características do subdesenvolvimento atávico, mas recebe a Copa como pesadelo do viralatismo histórico.
Terra em transe. Uma peça com meia dúzia tocando o terror anti-Copa, como a mini barricada dos mascarados. Uma peça tão paradoxal e rica em contradições que nos mostra uma onda de protestos comandada não pelos oposicionistas de fato. E sim pelos movimentos sociais que estão nas ruas há anos e, numa suposta balança ideológica das almas, pendem mais para o lado vermelho, como bravíssimos sem-teto e sem-terra.
Sim, meu caro Zé Celso, algo épico como “Os Sertões”. Uma comédia de erros é pouco para a representação do momento. E, por favor, Zé, muitas cenas dionisíacas, com nossas honradíssimas profissionais do sexo à espera dos gringos. Canibalismo neles, Zé, sem dó nem piedade. Só o banquete antropofágico nos livrará, desta feita, da viralatice que vivemos na encruzilhada da Fifa e no amadorismo público e privado.
Se temos as construtoras de ponta no mundo hoje, por que tantas obras incompletas na véspera? Tenho uma resposta, mas deixa quieto. O empreiteiro que deixa por último ri melhor e bem mais superfaturado.
E segue a tragicomédia barroca. Blatter e messiê Jérôme se dizem chateados com o Brasil; presidente Dilma confessa a pesada malice da dupla. E nessa esteira de bagagens nada fáceis sobra cruz para todo mundo. Só chamando o Evaldo Braga, se é que você me entende, você metido a chique que não ouve brega, apenas bossa nova com arroto de jazz.
Volto ao velho Darcy Ribeiro, aos trancos e barrancos vamos que vamos. A Copa expõe nossas contradições entre o fetiche que o Brasil foi recentemente para o mundo e a hora da onça beber água. Bem, assim tenho que convocar também o Ariano Suassuna, bravo paraibano torcedor do Sport, para acochambrar essa peça.
*Publicado na Folha de S.Paulo