por Zé da Silva
Gêmeos
Pagou cinco anos adiantado das diárias. Pediu não ser incomodado. Não saía nunca daquele casulo com ar condicionado, cama macia e banheiro que funcionava bem. Tirou a televisão. Lia sempre o mesmo livro. Ficava nu o tempo todo. Deixou cabelo e barba crescerem. Cortinas fechadas. Fez um acordo para a limpeza do local. Uma vez por semana as camareiras entravam no quarto. Ele se trancava no banheiro. Depois, quando iam ao banheiro, ele se escondia embaixo da cama ou atrás da cortina. Quem entrava não podia falar. Perdeu a noção do tempo. O livro era a Biblia. Ganhou alguma coisa que não sabia direito. Um dia alguém bateu na porta e lhe disse: “É hoje!”. Ele colocou a mesma roupa com que tinha entrado há cinco anos. Não tinha engordado nem emagrecido com a comida frugal que lhe deixavam do lado de fora da porta no meio da madrugada. Saiu. O mar era mais mar. O céu, mais céu. O sol, a brisa. Viu beleza em todas as pessoas. As palavras eram sinfonias. Era isso mesmo que queria. Teve certeza, então, que escolhera o caminho certo – e não o da têmpora sendo invadida por uma bala de 38.