7:04Na fronteira do Inferno

Do jeito que veio:

Claudia Belfort lança livro de contos no Quintana Café 

A jornalista inspirou-se em fatos reais para criar os treze contos sobre a angústia cotidiana de quem vive e convive com os distúrbios mentais 

Hoje,  quarta-feira, dia 10, a partir das 19h30, a jornalista e escritora Claudia Belfort lança o livro de contos Aqueronte — O Rio dos Infortúnios (Editora Letras do Brasil), no Quintana Café & Restaurante. A autora volta a Curitiba especialmente para apresentar o livro aos amigos e aos leitores curitibanos.

Aqueronte – O Rio dos Infortúnios traz contos que mostram o caminho de agonia que muitos portadores de distúrbios mentais, loucos sociais, seus amigos e familiares sofrem. O convívio com estes distúrbios no ambiente familiar levou a jornalista a estudá-los durante anos. Agora, ela usa a ficção para contar parte das experiências vividas.

Cada episódio tem vida própria e os contos podem ser lidos aleatoriamente sem prejuízo da compreensão. Os personagens e situações se entrelaçam pelas histórias, e a leitura pela ordem como estão publicadas passará ao leitor, ao final, uma ideia mais ampla de coesão.

Aqueronte é o rio dos infortúnios na mitologia grega. Era por ele que o barqueiro Caronte levava as almas até a margem onde estava o porto de Hades, o submundo dos mortos, o inferno, guardado por Cérbero, o cão de três cabeças. Na Divina Comédia, de Dante Alighieri, Aqueronte faz fronteira com o inferno, é o anteinferno.

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Claudia Belfort é diretora de redação do Jornal da Tarde, de São Paulo. Antes de assumir o posto, trabalhou na Gazeta do Povo. Tem um blog, “Sinapses” (http://blogs.estadao.com.br/sinapses/). A jornalista Bia Moraes leu, recomenda e enviou o seguinte relato ali publicado:

Bipolar: bebida e sexo irresponsável

Relato de Roberta (nome fictício) sobre sua bipolaridade para a seção Vozes

Nasci numa família simples, morávamos meu pai, mãe, duas irmãs e uma prima. Aos sete anos, dormi na casa da minha tia e acordei com o marido dela com a mão dentro da minha calcinha. Vim a ter consciência da violência do ato aos 16 anos de idade. Sempre vivemos com poucos recursos financeiros, mas nosso inferno começou quando eu tinha 12 anos com a falência da empresa do meu pai. Tinha dia que não havia o que comer. Consequentemente a família começou também a falir e as emoções ficaram à flor da pele. Sacrifiquei boa parte da adolescência para não ser “mais um problema”, o clima familiar era tão violento que meu pai chegou a matar nosso cachorro de nove anos na enxada!

 Minha auto-estima era muito baixa, aos 17 anos emagreci tanto que beirei a anorexia. Sofri alguns anos de bulimia. Fiz um curso técnico de nutrição. Meus pais enfim se separaram depois de tanta guerra, engordei tudo de novo, minha mãe emagreceu, voltou a viver. Meu pai desapareceu há mais de 5 anos.

 Fui pra terapia (depois parei), entrei num plano de reeducação alimentar, casei-me e decidi estudar artes. Aos 23 anos, descasei, tranquei a faculdade, comecei a frequentar boteco. Bebia compulsivamente e praticava sexo irresponsável. Voltei para terapia. Comecei um namoro com uma antiga paixão da adolescência, que terminou após dois anos, pois eu vivia com ciúmes, era insegura e obsessiva, além de fumar muita maconha com ele. Para piorar no dia do meu aniversário em 2008 achei pornografia infantil na lixeira do seu computador. 

Foi uma fase horrorosa. Transtornada, meu humor oscilava descontroladamente. Isso sem contar que havia mudado de emprego umas seis vezes em 3 anos (e foram mais de 10 empregos dos 14 aos 27 anos!). No fim fiquei desempregada dois meses em 2008 e com duas contas bancárias negativas. Contudo, consegui um emprego num ambiente bacana, por intermédio de uma tia. Ufa. Trabalhamos juntas. Como vou de carona no seu carro, ela começou a reparar no meu comportamento. Nesse meio tempo nasceu meu primeiro sobrinho e decidi revolucionar minha vida, mas estava paralisada diante do caos. Tentei yoga, trabalho voluntário, produção artística e nada. Continuava muito desanimada diante da vida e sem objetivos. 

 Dentro de casa, comecei a ter comportamentos limites, chamava atenção da minha mãe e escrevia compulsivamente. Para piorar, ainda caí de bêbada, rompi os ligamentos do tornozelo e me submeti a uma cirurgia em julho de 2009. Foi então que minha tia sugeriu que eu mudasse de psicóloga e procurasse um psiquiatra. Não fui resistente à medicação (depois de tudo isso também!), apenas não tinha dinheiro para pagar a consulta e ela me ajuda.

 Ficava e ainda fico irritada com o comportamento das pessoas. Existe muito preconceito e a maioria não faz idéia do inferno que vivo ou me trata como louca de fato. No entanto, agora consigo adotar outra postura diante da vida, meio budista e sem vícios, algo que sem a medicação estava IMPOSSÍVEL. Faz 6 meses que tomo Verotina, Depakote e Yasmin para estabilizar a menstruação e a tpm. As cores e os contornos ficaram mais claros, respiro melhor, sofro menos com a tpm. Tenho transtorno bipolar – também é genético. Meu avô materno tinha depressão. Meu avô paterno, cirrose hepática. Ainda “curto”  momentos depressivos, mas não me entrego. Me pego reclamando da vida, mas saio da cama com mais vaidade e amor próprio – o que melhorou muito minha qualidade de vida. Liquidei dívidas e estou fazendo um curso de corte costura , profissão linda da minha avó!

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