por Juca Kfouri, no UOL
No espaço de menos de 24 horas, entre quarta (20) e quinta (21) desta semana, o mundo viveu a deliciosa sensação de um _hat-trick_ planetário, que só os maiores craques do futebol — como Cristiano Ronaldo, Messi, Lewandowski e Haaland — experimentaram. Aconteceu quase simultaneamente em Haia, Brasília e Montevidéu.
Na quinta 21, em Haia, o Tribunal Penal Internacional, instituição da ONU, emitiu uma ordem de prisão contra o primeiro-ministro israelense Benjamin Netanyahu. Junto com seu ex-ministro da Defesa, Yoav Gallant, demitido no início do mês, Netanyahu foi acusado de crimes contra a humanidade por ações de extermínio contra a população civil da Faixa de Gaza, onde desde outubro passado as tropas de Israel já mataram mais de 44 mil pessoas — 70% delas mulheres e crianças, segundo estimativas da ONU, que o governo de Tel-Aviv classifica como “terrorista”.
Pela decisão da corte internacional de Haia, Netanyahu agora corre o risco de ser preso se transitar por algum dos 124 países signatários do Estatuto de Roma, entre eles o Brasil. Em apenas três países o premiê israelense pode viajar impune: Estados Unidos, China e Rússia, que não assinaram o tratado de Roma.
Na mesma quinta, 21, em Brasília, a Polícia Federal indiciou o ex-presidente Jair Bolsonaro e mais 36 pessoas, suspeitos e cúmplices nos crimes de abolição violenta do Estado Democrático de Direito, golpe de Estado e organização criminosa.
No duro, detalhado relatório de 884 páginas, a PF mostra que os conspiradores tramaram até mesmo a morte do presidente Lula, do vice Geraldo Alckmin e do ministro do STF Alexandre de Moraes.
O capitão Bolsonaro tinha, na conspiração, a companhia de 25 militares de alta patente, incluindo três ex-comandantes do Exército e um da Marinha. É a primeira vez, na história da República, que um ex-presidente eleito no período democrático é acusado por tramar contra a democracia no Brasil.
Na véspera, quarta, 20, em Montevidéu, a juíza Sílvia Urioste, do Tribunal Penal de 27º Turno, condenou à prisão o coronel do Exército da reserva Eduardo Ferri pelo sequestro dos militantes uruguaios Universindo Rodríguez e Lilián Celiberti, e seus dois filhos, Camilo (8 anos) e Francesca (3), presos ilegalmente em Porto Alegre em novembro de 1978 e transladados ilegalmente para a capital uruguaia por um comando clandestino da repressão da ditadura de Montevidéu, agindo em conluio com o DOPS gaúcho comandado pelo delegado Pedro Seelig.
Denunciado pela imprensa brasileira, o sequestro se converteu no único e mais clamoroso fracasso da Operação Condor, a conexão repressiva que unia as ditaduras militares dos seis países do Cone Sul, na década sangrenta de 1970.
Os repórteres Luiz Cláudio Cunha e JB Scalco, da sucursal da revista Veja, em Porto Alegre, foram os responsáveis pela corajosa reportagem que salvou a vida do casal.
Ferro, 77 anos, já tinha sido condenado a 21 anos de prisão, em 2023, pelo desaparecimento do militante comunista Óscar Tassino durante a ditadura. Agora, 46 anos após o sequestro de Porto Alegre, o coronel Ferro foi denunciado por quatro delitos de privação de liberdade, especialmente agravados, que só não resultaram na morte de Universindo e Lilián graças à denúncia da imprensa brasileira, que obrigou a repressão a abortar a ação na capital gaúcha.
Num mundo angustiado pela impunidade recorrente e pela falta de punição aos abusos contra direitos humanos, a tripla vitória dessa semana em Haia, Brasília e Montevidéu mostra que, no campo pesado da Justiça, um _hat-trick_ também pode ser festejado.
O único reparo ao texto é que o autor tem lado, por exemplo ele nunca condenaria putin, ou maduro ou ortega ou qualquer outro que seja da sua “turma”, o que é uma pena.