por Bernardo Melo Franco, no jornal O Globo
Capitão raspou os cofres e deixou governo sem dinheiro para remédios, água potável
Se o governo Bolsonaro fosse um avião, seu voo terminaria em pane seca, sem combustível para pousar. O sumiço do piloto, que largou o manche e abandonou os passageiros, seria apenas o epílogo do desastre.
Depois de quatro anos, o capitão deixa um cenário de terra arrasada. A máquina federal vive um colapso administrativo e financeiro. A manutenção de serviços básicos está ameaçada, e o Orçamento do próximo ano não para em pé.
O noticiário tem registrado os efeitos do apagão. Já faltou dinheiro para comprar remédios, encomendar livros didáticos, levar água potável ao semiárido. A Polícia Federal teve que suspender a emissão de passaportes. Cerca de 200 mil estudantes de pós-graduação não receberam as bolsas de dezembro.
Depois de furar cinco vezes o teto de gastos, o presidente raspou o que sobrava no cofre para tentar se reeleger. Não conseguiu e deixará o governo em estado de calamidade.
Na quarta-feira, o senador Randolfe Rodrigues pediu ao Tribunal de Contas da União que tome medidas para responsabilizar Jair Bolsonaro. Ele ressalta que o caos não é fruto de “circunstâncias imprevisíveis”, e sim da “subestimação dolosa das despesas obrigatórias, a fim de direcionar recursos para outras áreas de maior interesse do presidente”.
A representação pede que o TCU rejeite as contas do último ano de governo. Se isso ocorrer, o capitão poderá ficar inelegível. Na esfera penal, poderá ser julgado por crime contra as finanças públicas.
O cenário de descalabro aumentou os desafios da transição. Mais que um diagnóstico, será preciso fazer uma autópsia do desastre bolsonarista. O trabalho deve começar a vir a público na terça-feira, dia seguinte à diplomação de Lula.
“Se não apresentarmos agora, seis meses depois estarão nas nossas costas os desmandos do atual governo”, disse o presidente eleito. A advertência, feita durante o anúncio de novos ministros, mostra que o petista entendeu o tamanho da encrenca que o espera.