DIÁRIO DA PANDEMIA
É plena madrugada, tudo está em calma. Ouço ruídos na sala. Será assaltante? Levando-me, pé ante pé, vou até lá e me surpreendo com Cleópatra sentada no meu sofá, carinhando o Jolim. Elizabeth Taylor sorri, pedindo silêncio. Deve estar vendo no Jolim a Lassie que, quando criança, amou em “Força do Coração”. E quem é essa menina vestida de Joana d’Arc, bela demais em sua fantasia de guerreira? É Ingrid, a sueca cujo rosto angelical soube ninar minhas fúrias quando nos encontramos em “Casablanca”. Aqui, Rita Hayworth, cigarro na mão, procurando um cinzeiro para abandonar o vício que ela nunca teve. Nunca houve uma mulher como Rita. “Estávamos todas tronchas de saudade de você. Nunca mais foi na matinê visitar a gente”. Foi o que entendi ela dizer. Mas também poderia ter dito: “Jane, se ele se fizer de besta, abra fogo”. Jane Russell acariciou o revólver por cima do coldre, e Clark Gable não estava ali como em “Nas Garras da Ambição”. Falavam em língua americana e não havia aquelas legendas que sempre me esclareceram, mas eu entendia assim mesmo, como se eu também falasse a língua americana. Jean Fontaine, como em “Rebecca”, será para sempre a mulher inesquecível. Recostada ao sofá, Ava Gardner. Vestida bem à vontade, como apareceu em “Mogambo”, ao lado de Grace Kelly, que foi princesa a vida inteira. Olhando meus quadros sem interesse está Veronica Lake, uma mecha de cabelo cobrindo uma das vistas, como no filme “A Dália Azul”, onde contracenou com Alan Ladd. Laureen Bacall, Catherine Deneuve, Audrey Hepburn, Jean Simmons, Jennifer Jones, Vivien Leigh, Marilyn Monroe, e outras que chegam de muito longe, não sei como cabem todas nesta sala. Mas, se couberam nos meus sonhos de adolescente podem muito bem caber na memória que já vai me abandonando. Todas elas, deusas que dignificaram minha vida, obrigado por terem voltado para o menino assustado com a velhice. Vou continuar amando vocês para sempre, enquanto bater o coração e a memória souber reter as lembranças. Eu que tanto esperei por vocês em cada cinema de Curitiba, peço que esperem por mim, que já estou indo, já estou comprando a entrada, o filme vai começar.
FRASE PARA SER PENSADA: Respeito. É a única coisa que um palhaço pede.
Ainda temos belas como Anne Hathawai’não adentre a noite ,mesmo com ternura,a velhice clama e queima” frase tirada de um dos seus filmes.
Que belo texto.
_____Padrella: Vá ser bom assim na casa do carai, sô!
Que lindo e emocionante esse texto.
Importante a sua reflexão. Em tempos de escasso respeito, cabe a quem está no picadeiro o seguinte consolo: ” Limpa tuas vestes e, se possível, que todas as peças de roupa sejam brancas, pois isso ajuda a conduzir o coração ao temor de D´us e ao amor a D´us. Se é noite, acende muitas luzes, até que tudo fique claro. Toma então em tuas mãos apena, tinta e uma mesa e lembra que estás destinado a servir a D´us na alegria do coração. Agora começa a combinar umas poucas ou muitas letras, a permutá-las e combiná-las até que teu coração se aqueça. Então atenta para o movimentos delas e para o que podes extrair delas ao movê-las. E quando sentires que teu coração já está aquecido e quando vires que pelas combinações de letras podes apreender novas coisas que por ti próprio ou pela tradição humana não terias como saber e quando portanto estiveres preparado para receber o influxo do poder divino que flui para o teu interior então põe todo o teu pensamento mais verdadeiro a imaginar em teu coração o Nome e Seus anjos exaltados como se eles fossem seres humanos sentados, ou em pé, à tua frente” (Abraham Abulafia, citado como epígrafe por Benjamin Moser em seu livro “Clarice,”. Somos anjos, nobres e bons, embora tantos de nós tenhamos abdicado dessa condição.