por Carlos Castelo
Minha fixação pela figura do canalha deu-se nos anos de chumbo. Eu ainda era uma criança. Lembro-me que conheci a palavra logo após uma briga na saída da escola. Depois de aplicar um soco nas ventas de um coleguinha, ele saiu chorando, o nariz latejando. Quando me dirigia para casa, uma matrona — mãe do menino — pegou-me pelo pescoço, sacudiu-o e gritou:
– Castelo Branco, Castelo Branco! Só podia ser parente daquele presidente canalha!
A palavrinha ficou registrada em minha mente por anos. Tinha vergonha de perguntar aos meus pais porque a senhora havia dito que existia um presidente infame com meu sobrenome. Seria eu, por conseguinte, um canalha-mirim? E minha avozinha, tão meiga, uma macróbia canalha?
Outro problema: sonora como era, a palavra poderia ser pornográfica, como punheta, xereca, siririca, xibiu. E proferir isto na frente de uma família nordestinamente patriarcal, seria algo muito canalha de minha parte.
Este pequeno artigo é o resumo de grande uma obsessão, de mais de 40 anos. Ele comprova a célebre frase de Nelson Rodrigues de que “nenhum canalha é ridículo.”
Como sempre, as definições dicionarizadas (do italiano, canaglia; sujeito vil e infame e do latim “canalia” — coletivo de “canis”, cão) não exprimem muito bem a subjetividade dos termos importantes.
Sem querer bancar o canalhocrata, mas os biltres merecem muito mais da nossa linguística nacional. Afinal de contas, não sejamos hipócritas: o Brasil é o maior celeiro de tratantes do Hemisfério Sul. Se a economia e a política prosseguirem nos moldes de hoje, brevemente nosso mais importante produto de exportação não será mais o café, a soja, os sapatos de Franca: serão contêineres e contêineres repletos de pulhas.
Países que desejarem incremento na baixaria de seus Congressos importarão canalhas-políticos “made in Brazil”; nações desejosas de achincalhar a sua imagem importarão canalhas-marqueteiros. Todavia, é bom que se diga, há correntes que defendem os canalhas-advogados como mais ISO 9000 que qualquer outro tipo de nefando.
O produto brasileiro é infinitamente superior a seus concorrentes das Américas Central e Latina.
Para um canalha nacional, 100% puro, a moral e os bons costumes são apenas uma nota de pé de página no livro da vida. O canalha tupiniquim não tem ideologia, tem primazia. Não rouba, malversa. Não se mete, mete.
E, claro, faz tudo isso com grande cordialidade, simpatia, suavidade. E de roupa.
Estudiosos da canalhice e da cafajestagem como fenômeno social afirmam que, no Brasil, existem 60 cafajestes diferentes para cada Frei Galvão. Por esses e outros exemplos constatamos que o sociólogo Gilberto Freyre poderia perfeitamente ter batizado seu mais famoso livro de “Casa Grande & Canalha”.
Ainda assim, e com todos esses atributos, o Brasil ainda está bem distante do Primeiro Mundo no quesito patifaria. Mesmo com tantos casos célebres, ainda falta muita calhordice até que se consiga produzir um canalha-premium como Donald Trump.
Estou grato ao Castelo Branco ( o jornalista, não o militar) por ter tirado as palavras da minha boca. Elas me incomodavam e eu não tinha onde cuspir. Cuspiu-as por mim o impoluto profissional. Digo mais: Aprendi uma coisa. Xibiu. Nunca imaginei que alguém desse à coisa o mesmo nome de uma pedra rara. Nos rios da Palmeira íamos em bando procurar diamantes que nunca foram encontrados. Quem diria que cada um de nós levava um xibiu consigo sem saber.
Existe sim e é seu colega,quer canalha menor que o Augusto Nunes?