DIÁRIO DA PANDEMIA
(*) Meu pai trazia da rua a caixa de caramelos onde cada um era enrolado em papel de cor diferente e com a foto da fruta. Ele comprava aquilo numa bombonière que ficava ao lado do Bar Amarelinho, na Cinelândia, onde agora é uma tenda do santo dízimo. Eu gostava daquele doce, e mais ainda porque era um gesto do meu pai. Mas o que fascinava o garoto de seis anos era a diversidade daquelas figuras, que me levava a guardá-las. Talvez, reter aqueles papéis fosse a maneira que o menino encontrou para segurar a imagem do pai. Desde então alimentei a vontade de colecionismo. Nunca cheguei a colecionar nada. Fui, no máximo, um juntador de coisas fáceis.
(*) Nada a ser feito, como se todas as tarefas já estivessem prontas. Nenhuma missão na agenda. Ninguém que espere nada de mim. Passei a ser dispensável. Talvez eu tenha sido sempre isso. Então, ilhado, escrevo. O recluso fala consigo mesmo, e nas histórias que inventa ele é todos os personagens. Perseguindo-o em cada página, uma legião de demônios e todos são ele mesmo. Por que escrevo, se o que escrevo será imediatamente esquecido pelos poucos que me lerem? Para quem escrevo? Faço-o para mim mesmo. Ocupo em mim o lugar do meu pai me contando histórias. Reencontro em cada página o pai contador de histórias e o menino encantado com as narrativas do pai. Acho que viver é isso. Uma história que se conta, cheia de mentiras e verdades, enfim, de tudo o que é o recheio do sonho de viver.
(*) Marylin, minha boneca inflável – mas por quem tenho o maior respeito – estava aqui me dizendo que esse lance do cheque recebido pela Primeira Dama já deu o que tinha que dar. Marylin é grande defensora dessa senhora como, aliás, de todas as Primeiras Damas e da Rainha da Inglaterra. Em defesa dessa senhora trouxe à tona o caso do deputado por Alagoas, João Alves, um dos “Anões do Orçamento,”que se autodenominava João de Deus, tantas eram as graças que recebia do Altíssimo. João de Deus ganhou mais de duzentas vezes na loteria, no final da década de 80. E tudo continuou como dantes no quartel do Abranches. Foi um homem muito vivo, mas se fosse realmente vivo estaria completando 101 anos. O que quero dizer é que minha companheira acha que faltou savoá aferrr, seja lá o que isso signifique, no episódio do tal cheque.
GRANDES MOMENTOS DE FERNANDO PESSOA: “O poeta é um fingidor. Finge tão completamente que chega a sentir que é dor a dor que deveras sente”.