por Thea Tavares
“Quem sabe o que se dá em mim?
Quem sabe o que será de nós?
O tempo que antecipa o fim
Também desata os nós”.
(Novamente – Fred Martins).
Um novo “dia dos namorados” se aproxima. Os comerciais da TV já anunciam os apelos em função da data. Passado o choque dessa constatação, que traz presente o peso do tempo e da distância imposta à frágil relação deles, ela se pegou lembrando cada detalhe da última vez em que “viveu” esse dia.
Os dois se viram, no ano passado, bem no dia dos namorados. Parecia coisa combinada e não foi nada disso. Surpreso, ele mal conseguiu disfarçar sua reação espontânea, mesmo que platônica e guardada a sete chaves dentro do peito. A cabeça dele denunciou e o traiu, sobressaindo-se na mesa sobre as demais para observá-la de longe. Não era o horário que costumavam se enxergar e ele tinha a certeza de que ela teria alguma outra companhia, especial, naquele almoço. Por isso que vê-la era tão inesperadamente bom e aconchegante.
Trocaram olhares quase que aliviados e agradecidos pelos colegas de trabalho de ambos, que figuravam naquela cena como sinais da perspectiva promissora daquele encontro. Estarem ali, conversando sobre tarefas, serviços, projetos em andamento, prazos e metas a serem cumpridos, em puras e frias distrações, longe das flores, dos bombons e de presentes, acenava para uma resposta que a ausência de comunicação entre os dois sequer havia formulado a pergunta. E que, naquele momento, era o que bastava para preencher de promessas e de alegrias um dia fadado a ser vazio e triste.
O leitor mais afoito, impaciente e impulsivo, pode julgar que foi perda de tempo, sem correr o risco de errar. Mas para eles essa relação, assim, vinha se construindo madura e sólida, justamente pelo exato risco que os enganos passados alarmavam ser inerente às escolhas precipitadas. A noção de tempo era outra; Não tinha a urgência de agora. Um ano se passou e a distância, antes romantizada, atingiu proporções desesperadoras.
Eles já não lêem mais nos olhos a curiosidade indisfarçável, o interesse repentino e a alegria festiva dos encontros ocasionais, que embora teimassem em querer romper barreiras, convenções sociais e escudos de autoproteção, se continham na inércia daquele passatempo prazeroso que os dois se acostumaram a jogar silenciosamente. Não sabiam a falta que faria ou sequer dimensionavam com precisão o valor daqueles instantes, daqueles pensamentos e daquelas vontades reprimidas.
Iam vivendo disso e deixando o tempo passar como que por um teste dos limites das próprias ansiedades. Mal sabiam eles que o próximo dia dos namorados viria sem olhares curiosos e sedentos, mendigos de atenção. Aqueles olhares que vasculhavam pela sala os indícios de reciprocidade ou a menor permissão para se avançar no sentido de diminuir as distâncias impostas a essas duas almas que se reconheciam o tempo todo, nas mínimas e discretas afinidades.
Pensam que poderiam ter tido um pouco mais de pressa. Diante da catástrofe instalada, eles conhecem agora o preço daqueles momentos fugidios e as consequências do tempo perdido e da falta de coragem para arriscarem-se nessa entrega mais uma vez, talvez a última. Sem qualquer capacidade de resiliência que indicasse o tamanho da privação que passariam e o peso da carga embutida no distanciamento imposto por essa novidade que hoje os afasta, eles não se prepararam e dispõem apenas do autocontrole, do autocuidado e do amor próprio para projetarem algum futuro àquilo que iniciaram empreender e que se encontra suspenso no ar das incertezas.
Sabem que a estaca zero não serve mais de ponto de partida. Se alguma estrada surgir no horizonte, será estreita e vai exigir ser percorrida de mãos dadas, em plena conexão e sob abraços e olhares já cúmplices das lições extraídas dos isolamentos involuntários atuais.
“A música preenche sua falta
Motivo dessa solidão sem fim
Se alinham pontos negros de nós dois
E arriscam uma fuga contra o tempo
O tempo salta”.
(Novamente – Fred Martins).