por Uirá Machado
Toda transição de governo tem um quê de janela de transferência de futebol: se nesta os dirigentes e empresários tentam forçar compras e vendas de jogadores, naquela os correligionários e conselheiros procuram emplacar nomes de seu agrado ou ostentar uma influência de que nem sempre desfrutam.
Nunca foi fácil fazer jornalismo nesses momentos. Muitas negociações são mera especulação e jamais chegariam a bom termo, mas tantas outras de fato existem e, por razões diversas, terminam frustradas.
Como nesses dois casos o resultado é o mesmo (uma transação que não se concretizou), o cartola e o político sentem-se à vontade para acusar o jornalista de fabricar fake news, mesmo quando em sua apuração ele tenha seguido à risca os melhores manuais da profissão.
O veículo de comunicação que quiser evitar esse ataque só tem uma saída: noticiar apenas as transações consolidadas. É uma estratégia segura, sem dúvida, mas também covarde e impensável para qualquer publicação que leve a sério o ofício de manter seus leitores informados.
Para ficar em somente um exemplo, torcedores e eleitores podem querer protestar antes de uma determinada contratação ser efetuada.
Essas dificuldades costumeiras só aumentam diante de políticos como Jair Bolsonaro. Desafiando preceitos lógicos bem estabelecidos desde a Antiguidade clássica, o presidente eleito diz uma coisa, em seguida declara o seu contrário e espera estar certo nas duas afirmações.
Ainda não está claro se ele age dessa forma de caso pensado ou se o caso é de falta de pensamento, mas já se sabe que, com o perdão de quem lamenta a profissionalização do futebol, a transição está uma várzea.
Seja como for, o jornalismo profissional ganha em importância. O leitor que depender apenas das declarações oficiais de Bolsonaro terá menos chance de saber se ele está indo ou voltando em sua afirmação ou de conhecer as desvantagens de uma proposta apresentada como se fosse a salvação da lavoura.
*Publicado na Folha de S.Paulo
Adeus Folha de SP, vocês não fazem jornalismo.