por Mário Montanha Teixeira Filho
Os dias nervosos anteriores às eleições se desmancham aos poucos. Quase ninguém
se lembrará – ou admitirá que se lembra – do que foi feito e dito naquele período. As
pessoas, afinal, estarão ocupadas em sobreviver, não em assumir responsabilidade pelo
futuro. E o futuro, que deveria estar em nossas cabeças, seguirá nas mãos das mesmas
velhas eminências que transformaram o País numa equação indecifrável – renovamos a
política com o que há de mais antigo e escalamos corruptos notórios para combater o
saque do dinheiro público. Tem sido assim, sempre foi assim e assim será,
conformamo-nos.
Talvez uma das explicações para a nossa miséria nacional esteja no desprezo pela
palavra. Somos um povo que não lê e não escreve. Somos milhões de analfabetos
funcionais massacrados pelas ondas da internet e sua realidade virtual e mentirosa, onde
a palavra vale pouco. É estranho esse comportamento. O capitão feito presidente nunca
escondeu a sua personalidade controversa, em que se misturam o elogio da tortura (ao
estilo de um Erasmo de Rotterdam caricaturesco), a reverência aos agentes do Estado
que eliminaram os “inimigos” do regime militar, o desprezo pelas minorias, o ódio aos
movimentos sociais, o pendor entreguista e a boçalidade sem fim. Inexplicavelmente,
relativizamos tudo isso, como se as frases proferidas pelo eleito não importassem.
E, de tanto não nos importarmos, assistimos inertes e calados ao esmagamento do
que nos resta de civilização. Deixamos que algumas poucas celebridades, movidas por
seus interesses e ciosas de suas fortunas, eliminem direitos trabalhistas, destruam a
saúde pública e a previdência, envenenem a nossa comida e nos proíbam de pensar.
Achamos tudo “normal”. Eis por que o governo da “transição” age tão obstinadamente
contra as escolas e seus professores, submetendo-os a ataques de justiceiros fanatizados
e incapazes de conviver com o contraditório e a liberdade de expressão. A moral e os
bons costumes não combinam com essas coisas.
Mas tudo isso é mimimi de esquerdopatas, dirão os vitoriosos do 28 de Outubro. E
prosseguirão com o seu vasto repertório: “aceita que dói menos”, “simples assim”, “vai
pra Cuba”, “vai pra Venezuela”, etc., etc., etc. Nada que não tenha jeito, porém. Para
coroar esse debate edificante, teremos os préstimos do juiz famoso, homem de toga
transformado em superministro, técnico (em quê?) patriótico e altruísta, pai de família
exemplar – a esperança oficial. Ou, sob um olhar menos enquadrado aos novos tempos,
o político enrustido que protagonizou julgamentos midiáticos, aproximou-se da direita
reacionária e ajudou a eleger o seu líder.
Não sei mais para onde vai o pensamento. Faltam-me palavras, pouco me animo a
lidar com elas (logo elas, as palavras!). Pode ser que me caiba um recado final aos que
creem: “torçam”, que é o que lhes resta. E daí? Por mim, prefiro o aconchego dos
derrotados à repetição de frases vazias ou ao otimismo forçado. Arriscaria, então, pedir
auxílio a Darcy Ribeiro, com sua bela reflexão sobre o fracasso (“os fracassos são
minhas vitórias”), mas vou de W. Whitman, como já fiz em outros momentos parecidos
com o de agora: “Vivas àqueles que sempre levaram a pior! / e àqueles cujos navios de guerra afundaram no mar! / E a todos os generais das estratégias perdidas, / que foram todos heróis! / E ao sem-número dos heróis desconhecidos, / equivalentes aos heróis maiores / que se conhecem!”. Seguiremos.
Não apenas não mais lemos nem escrevemos, meu caro Montanha, como estamos deixando também de falar. Usamos o tal WhatsApp para isso. Ainda que o interlocutor esteja à nossa frente. E lá vai a civilização ladeira abaixo. Bem ao gosto dos donos do poder e do capital.