6:31Temer sabia do tamanho da encrenca

por Elio Gaspari

Em junho do ano passado, o presidente Michel Temer recebeu uma carta fraternal de um sábio com experiência e êxitos muito superiores aos dele. Nela havia um proposta, curta e grossa: Temer deveria enviar uma mensagem ao Congresso antecipando a eleição geral de outubro para abril ou maio de 2018, experimentando-se a instituição de candidaturas avulsas e o voto facultativo.

Para evitar mal-entendidos, Temer não buscaria a reeleição. Era isso ou viver o agravamento da crise com um governo que perderia vigor. Cada dia seria pior que o outro, e a cada hora aumentaria o risco de aparecimento de salvadores da pátria, tanto individuais como institucionais.

Até o início de maio, Temer parecia surfar bons indicadores da recuperação da economia. Pensava-se que estava aberta a pista para que disputasse a reeleição. Ele não sabia que Joesley Batista gravara um encontro que os dois tiveram em março, e no dia 17 de maio a casa caiu, com a divulgação de trechos da conversa.

De um dia para o outro Temer teve que usar a máquina de sua maioria parlamentar para salvar o próprio mandato. Nos grampos de Joesley Batista fritou-se também o tucano Aécio Neves, e sua irmã Andrea foi encarcerada.

A carta retratava a crise resultante do grampo de Batista, mas, dias antes da sua remessa, o Tribunal Superior Eleitoral salvou o mandato de Temer, ameaçado pelo pedido de cassação da chapa em que era o vice de Dilma Rousseff. Ele acabara de receber 83 perguntas da Polícia Federal. Oito delas relacionavam-se com atividades portuárias em Santos e com negócios da Rodrimar, e outras sete tratavam de relações com o operador Lúcio Funaro.

Em menos de um ano tudo o que podia dar errado, errado deu. Como era de se supor, os negócios do porto de Santos estão atracados nas colunas do Palácio do Planalto. Temer escapou de duas denúncias ao preço do congelamento de seus projetos, e confere as armas para a hipótese de ser obrigado a encarar uma terceira.

Como em qualquer época e em qualquer palácio, o mundo é sempre cor-de-rosa, pois os maus prenúncios são coisa de invejosos, golpistas e conspiradores. A ideia da antecipação do pleito perdeu-se no arquivo. Deu no que está dando.

Isso tudo são águas passadas. Fica uma pergunta inútil. Como estariam as coisas hoje se Temer tivesse aceito o conselho? Ele teria enviado a mensagem ao Congresso em julho do ano passado, e neste mês seria realizada uma eleição sem precedente. O voto seria facultativo e cada cidadão poderia inscrever-se como candidato avulso, sem o garrote dos partidos políticos.

Se Napoleão tivesse deixado a Rússia em paz, seu reinado teria sido outro. Se em 1910 Benito Mussolini tivesse aceito a direção de um jornal socialista no Brasil, a história da Itália teria sido outra. Se em 1940 o pintor Henri Matisse tivesse embarcado no navio que o traria ao Brasil, ele pintaria quadros de mulatas, certamente melhores que os das odaliscas. Em todos os casos o mundo ficaria melhor. Se Temer tivesse aceito os conselhos do sábio, ele, seu governo e o Brasil estariam vivendo dias de esperança e alívio.

(O nome do sábio fica preservado por respeito a etiqueta.)

*Publicado na Folha de S.Paulo

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