História de uma curitibana, em texto de Ana Clara Schulman
Passa das 22h, o barulho de corre corre e pula pula que vem do apartamento de cima está excessivo, incomodando mesmo. É quase todo dia assim, mas hoje resolvo interfonar.
– Boa noite, é aqui do apartamento de baixo, tá vindo muito barulho aí do seu apartamento sabe…
– Que barulho?
– Ah, parece gente correndo, pulando.
– É, tem criança aqui.
– Pois é, também tenho criança aqui, que está dormindo. Sempre vem barulho, mas hoje está excessivo, se puder diminuir…
– Vou avaliar.
Às 22:45 o barulho continua na mesma intensidade. A essa altura minha filha já acordou e apareceu na sala. Ela em geral também dorme tarde, também faz bagunça, mas nem por isso tem salvo conduto para incomodar quem a cerca. Espero que o neto desse cordial e empático vizinho, que tem exatamente a mesma idade da minha filha, tenha mais sorte com seus vizinhos futuramente, e não encontre pessoas que o ignorem assim na vida, mesmo diante de pedidos tão simples e justificáveis.
(Obs: no próximo desabafo falo da vizinha de baixo, que liga o home theater no máximo toda noite, deixando meu apê inteiro coladinho a um Cinemark).
Ana Clara é uma cronista natural, lembra vagamente Lya Luft. O texto sai sem esforço, fluido e fluente, claro e limpo. Tem o traço marcante da personalidade da autora, que conheço desde antes de nascer: a observação distante e desapaixonada do ser humano e o destilado azedume que Ana Clara sempre transformou num sarcasmo inteligente.