6:14A mãe de todas as crises

por Ivan Schmidt 

Muitos se perguntam e cada um pode ter sua resposta própria, que raio de praga desabou sobre o Brasil dos últimos tempos, especialmente desde a volta das eleições diretas para a presidência da República?

Os mais exatos dirão que o período nebuloso que se prolonga por décadas, quase todas perdidas do ponto de vista político e econômico, começou com a eleição indireta da chapa Tancredo Neves-José Sarney, resultante da autêntica clonagem que amalgamou as sobras dos envergonhados apoiadores do golpe de 1964 e os que acabariam se apropriando do MDB Velho de Guerra para transformá-lo no carro abre-alas do Centrão.

Não demorou para que as principais figuras do PMDB – Mário Covas, FHC, José Serra, José Richa e outros – abandonassem a legenda até então sustentada pela autoridade moral de Ulysses Guimarães, grande articulador das Diretas Já e da própria candidatura de Tancredo no colégio eleitoral, para a formação do Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB), que elegeria FHC presidente após o impeachment de Fernando Collor e da conclusão do mandato por Itamar Franco.

Em 2002, depois de várias tentativas frustradas o espertíssimo metalúrgico e ex-presidente do sindicato da categoria em São Bernardo do Campo, criador do PT, conseguiu-se eleger-se presidente, impulsionado pelo glamour de uma campanha milionária conduzida pelo publicitário Duda Mendonça, que transformou Lula numa espécie de reencarnação de Midas, aquele que fazia virar ouro tudo em que tocava.

Ante o apavoramento geral, sobretudo dos donos do capital com o favoritismo de Lula (Serra fazia uma campanha anêmica e desanimadora), Duda sugeriu a elaboração do que se chamou “Carta ao Povo Brasileiro”, na qual o candidato assumia o compromisso de respeitar e cumprir rigorosamente todos os contratos vigentes com o mercado. Ou seja, não haveria calotes, moratória ou qualquer outro tipo de retaliação com quem quer que seja, mormente com o pessoal do topo da pirâmide.

Mais recentemente, com as delações dos grandes empresários à Operação Lava Jato, dentre as quais a de Emílio Odebrecht, poderoso chefão da empresa que leva o sobrenome do pai, se revelou que a inspiração da tal carta e grande parte de seu conteúdo, emanaram dos cérebros a serviço da empresa baiana, que ao lado dos florilégios destinados a suavizar a proposta de Lula para o governo, também acharam por bem injetar milhões de dólares na sustentação da campanha do novo amigo da casa.

A praga com características egípcias, sequiosa pela continuidade da devastação ética e moral do estamento que exercia o poder no início do século 21, logo transmudou-se na quadrilha que operou o mensalão, hoje mera piada de salão quando comparada ao petrolão. Uma explicação aceitável para o fato de que tudo nesse país é superlativo.

Lula elegeu o poste Dilma Rousseff, a quem José Dirceu ao ser apeado da chefia da Casa Civil saudara como “minha companheira de armas”, ao fazer referência aos tempos em que ambos militavam no movimento estudantil e, depois, nas organizações que prometiam a derrubada do governo militar.

Dizem os despeitados que José Dirceu pegou em armas somente enquanto esteve em Cuba, na preparação de futuros guerrilheiros para a revolução mundial, embora seu gesto mais audaz tenha sido a plástica para mudar o formato do nariz e das bochechas. Quanto à Dilma, dizem que chegou a aprender a desmontar uma arma, mas jamais apertou o gatilho de qualquer delas, exercendo como guerrilheira um papel secundário. A prisão e a tortura acabaram adubando o mito.

Afastada em 2016, após ter derrotado Aécio Neves e reeleita para o segundo mandato, a farsa inventada por João Santana para a ocasião, sempre estipendiada pelos milhões depositados em bancos suíços (olha a delação aí, gente!), não resistiu a tanta mentira e incompetência, obrigando mais uma vez o uso do remédio amargo do impeachment, para evitar que o moribundo vestisse o pijama de madeira.

Pois é. Tudo isso para que se chegasse a Michel Temer, um típico político do Centrão, incapaz de se definir ideologicamente a ponto de convencer os ouvintes, mas não pela falta de recursos intelectuais, pois sabe muito bem onde pisa. Em suma, nosso presidente entrega um discurso melífluo coreografado por um gestual enjoativo, como se não soubesse o que fazer com as mãos. Não cheira e nem fede.

Passado o primeiro ano de governo, incluindo a interinidade, o presidente passou a viver o inferno astral da senhora que substituiu no cargo, em face da bombástica estripulia causada pela liberação do áudio gravado pelo empresário Joesley Batista, dono da JBS, reproduzindo sua conversa com Temer no Jaburu, no último dia 7 de março.

O cenário brasileiro pós-gravação da conversa noturna na residência oficial do presidente, sem que o visitante sequer fosse obrigado a revelar o nome ao chegar ao local, guarda uma semelhança incrível com as pinturas surrealistas de Bosch ou Salvador Dali. Impeachment e renúncia são as palavras de ordem dos últimos dias, incluindo os integrantes da base política de Temer. Em caso de vacância, eleição direta ou indireta para a escolha do substituto?

A confusão é tanta que a explosão de ódios e rancores represados faz com que os personagens que se digladiam no âmbito do Congresso Nacional se comportem como babuínos em plena batalha de excrementos.

Os políticos mais próximos do presidente da República, ou seja, aquele grupo privilegiado de participantes das conversas mais íntimas e sigilosas (Padilha, Moreira Franco, Romero Jucá e Rodrigo Rocha Loures, vá lá!), não transmitem a menor segurança e tranquilidade ao chefe, pois também estão atolados até o pescoço no mar de lama que se derrama no planalto central.

A sucessão de mudanças drásticas no exame do dia a dia da quinzena passada é alarmante, fazendo com que as comparações com a crise do suicídio de Getúlio Vargas, as tentativas de golpe contra o presidente Juscelino Kubistchek, a renúncia de Jânio Quadros, o golpe de 1964 e os episódios do afastamento de Collor e Dilma, indiquem o desembarque da mãe de todas as crises da política brasileira.

O momento é rico em previsões e não poderia ser de outra forma. Contudo, é recomendável levar em consideração o conselho do escritor norte-americano Nate Silver: “É divertido zombar dos profissionais quando suas previsões falham. No entanto, é preciso ter cuidado com nossa alegria diante da desgraça alheia”. O mar não está pra peixe e em rio que tem piranha jacaré nada de costa, já dizia Stanislaw Ponte Preta.

3 ideias sobre “A mãe de todas as crises

  1. Sergio Silvestre

    Ai a Dilma saiu e deixou essa herança ,maldita ao povo brasilero.
    Não da vontade mandar tomar no C..quem fala isso,a culpa de tudo é de um tranqueira que perdeu as eleições e resolveu com sua corja boicotar o Brasil e se deu com os burros naguá,por que nesse meio,os sapos engolem as cobras se bobear.
    Então deveríamos debitar isso na conta do “minerin”esse probo senador golpista que viu o cavalo passar encilhado mas não montou,e nós brasileiros nos livramos da maiór tranqueira de todos os tempos.

  2. Ivan Schmidt

    Ao contrário do que escrevi, o personagem mitológico que transformava em ouro tudo o que tocava foi Midas e não Creso. Segundo a mitologia Creso enriqueceu depois de banhar-se nas águas de um riacho que Midas havia transformado em ouro…
    No Brasil, Joesley Batista vem tentando transformar em ouro as vísceras dos bois abatidos diariamente em seus frigoríficos. Dizem que está conseguindo…

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.