15:51A mente radical

por João Pereira Coutinho

… Num texto antigo, com o título singelo “A Teoria Política Ainda Existe?”, Isaiah Berlin afirmava que só pode existir política quando existem diferentes concepções do bem em disputa.

Mais: só existe política quando somos capazes de reconhecer que o nosso interlocutor pode ter razões válidas para defender o que defende. Naturalmente que Berlin não falava de posições totalitárias, nas quais não é possível diálogo nenhum. Apenas das inevitáveis diferenças pluralistas que qualquer sociedade democrática comporta.

A mente radical, esteja na esquerda ou na direita, não pensa de igual forma. A política não é uma “discussão”; é uma “guerra”. Aqueles que discordam de nós não são apenas “diferentes”; são “inimigos”, como diria Carl Schmitt, o famoso jurista do Terceiro Reich.

E, quando a política é uma “guerra” e os outros são “inimigos”, a conclusão lógica é que eles devem ser “destruídos”.

Quando tudo isso acontece, já não falamos de política; falamos de religião. E não interessa se o indivíduo defende uma religião “de esquerda” ou uma religião “de direita”. Ele continua a pensar, não com premissas racionais –mas com dogmas de fé. Ele é, no sentido preciso da palavra, um “crente”; e, quando ele perde a “crença” na bíblia da esquerda radical, ele “converte-se” ao catecismo da direita.

Todos conhecemos pessoas que nasceram na extrema-esquerda e viraram à direita. O inverso também acontece, embora seja mais raro. E que vemos nós?

Exato: a linguagem mudou, mas a postura radical permanece. Nada disso é novo: quando a Revolução Francesa abismou a Europa e o mundo, vários foram os intelectuais que aderiram emocionalmente à queda da Bastilha.

Mas quando a Revolução Francesa se converteu em terror e virtude, com o sanguinário Maximilien de Robespierre, os revolucionários do passado converteram-se nos contrarrevolucionários do presente. Os poetas Coleridge ou Wordsworth são apenas dois exemplos de como é possível passar de um extremo ao outro com a velocidade de um relâmpago.

Se assim foi nos séculos 18 e 19, que dizer do século 20 e das lutas ideológicas em que ele foi pródigo? Daniel Oppenheimer, em “Exit Right: The People who Left the Left and Reshaped the American Century”, conta parte dessa história no contexto americano. Conclusão principal?

Nomes como Whittaker Chambers (ontem) ou David Horowitz (hoje), para citarmos apenas dois conhecidos “intelectuais públicos” que começaram na esquerda radical antes da virada para a direita, mudaram menos do que imaginamos.

Sim, eles tornaram-se inimigos do comunismo e de todos os “idiotas úteis” que tornaram a aberração marxista possível. Mas, ao escolherem o polo oposto, eles foram incapazes de abandonar a violência intelectual e verbal que sempre os definiu. Mudaram as palavras, mas nunca a “forma mentis”.

E não mudaram essa “forma mentis” porque, para sermos rigorosos, eles nunca pensaram politicamente sobre nada. Num texto antigo, com o título singelo “A Teoria Política Ainda Existe?”, Isaiah Berlin afirmava que só pode existir política quando existem diferentes concepções do bem em disputa.

Mais: só existe política quando somos capazes de reconhecer que o nosso interlocutor pode ter razões válidas para defender o que defende. Naturalmente que Berlin não falava de posições totalitárias, nas quais não é possível diálogo nenhum. Apenas das inevitáveis diferenças pluralistas que qualquer sociedade democrática comporta.

A mente radical, esteja na esquerda ou na direita, não pensa de igual forma. A política não é uma “discussão”; é uma “guerra”. Aqueles que discordam de nós não são apenas “diferentes”; são “inimigos”, como diria Carl Schmitt, o famoso jurista do Terceiro Reich.

E, quando a política é uma “guerra” e os outros são “inimigos”, a conclusão lógica é que eles devem ser “destruídos”.

Quando tudo isso acontece, já não falamos de política; falamos de religião. E não interessa se o indivíduo defende uma religião “de esquerda” ou uma religião “de direita”. Ele continua a pensar, não com premissas racionais –mas com dogmas de fé. Ele é, no sentido preciso da palavra, um “crente”; e, quando ele perde a “crença” na bíblia da esquerda radical, ele “converte-se” ao catecismo da direita.

Conheço casos: gente que militou na extrema-esquerda e que, algures na vida, encontrou uma estrada de Damasco para a direita. Verdade que alguns conseguiram essa proeza sem transportar a alma dogmática para o outro lado. São os “happy few”, que abandonaram os confortos ilusórios do dogma para viverem na fragilidade da dúvida.

Mas a maioria fugiu do radicalismo para abraçar uma nova fé com igual radicalismo. Para esses, mais importante do que tentar entender a natureza da política é encontrar um novo manual que ensine como eles devem agora olhar para a política. No fundo, continuam a ser escravos do livro e não estudiosos da realidade.

Infelizmente, não existe nenhum manual capaz de explicar a complexidade das sociedades humanas e a matéria imperfeita de que somos feitos. E existem certos dilemas –na economia, na moral, na política externa– que não têm nenhuma resposta “prêt-à-porter”. Acreditar que essas respostas existem é acreditar em charlatões que pretendem subjugar o mundo e os outros a uma cartilha pessoal.

Paradoxalmente, esse é o único conselho que deixo a alunos ou leitores: não acreditem nos conselhos de quem tem todas as respostas mesmo antes das perguntas existirem.

*Publicado na Folha de S.Paulo

Uma ideia sobre “A mente radical

  1. cético

    Mas o pior mesmo é que a maioria dos radicais não se reconhece como tal.
    Aposto que 2 conhecidos e fanáticos comentaristas desse blog acreditam piamente que o texto não lhes diz respeito, ou pior, escreverão algo tentando convencer os “coxinhas” de todos os seus valores democráticos. Até porque, em suas deturpadas visões, só pode haver antidemocracia de Direita. A esquerda sempre será democrática, posto que defende o povo contra os abusos dos Direita Reacionária.

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