19:53HORÓSCOPO

por Zé da Silva

A névoa que toma conta do início do filme Macbeth, de Orson Welles, entrou pela retina e ficou escondida em algum lugar aqui dentro, sem eu saber. Então veio num dia como hoje, de sol, de chuva, de rosas meio murchas, grama com cocô de cachorro, um jornal jogado pelo entregador, o lixo dentro de um saco preto, mensagens de Natal, gente reclamando de ausência, os filhos longe, um shopping cheio, a camiseta apertada na barriga, uma saudade dos que me fizeram, duas lágrimas penduradas nos cantos dos olhos, uma moda de viola no rádio do carro, o barulho do limpador de para-brisa, alguns pingos entrando pelo vidro aberto. Às vezes a vida não faz sentido, mas só às vezes, mesmo porque não tem sentido mesmo. Em outros tempos isso pesava tanto quanto uma prensa automobilística a achatar tudo. Depois assoprei e tomei um caminho de sol, com espinhos embaixo, mas sem machucar. Vem a névoa, com ou sem filme. Ela entra, ela se apresenta. Eu sei -é assim mesmo. Mas ela vai. E volta. Ainda bem que raramente. Por isso flutuo. Paciente. Até o amanhã que não sei o que é. Ainda bem.

 

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