Os pais do autor, no Parque das Águas, São Lourenço (MG) em foto de 1938
por José Maria Correia
Ao perder meus pais, perdi aos que mais amava.
O pai, a mãe e tantos amigos queridos que ao partirem fizeram com que o sol brilhasse menos nos dias pálidos que me restam, no outono em que me encontro.
A orfandade é uma dor eterna e uma tragédia certa da existência.
Dessa dor não há libertação possível.
Deus, entretanto, em sua prodigalidade nos concedeu a memória, o paraíso das recordações da infância, um tempo onde não havia ainda nem perdas e danos, concedido como um refúgio da angústia, em ilusão.
E para nos consolar recebemos também a fé como dádiva e a aceitação do trágico, embora a fé seja sempre posta à prova para resistir a cada dor, à cada desencanto.
Não fosse assim , só desiludidos, como viveríamos sem a presença desses amores perdidos, dos toques das mãos, dos abraços ternos e dos beijos e afagos que nunca mais encontraremos neste plano e que tanta, tanta falta nos fazem?
E onde buscar forças para caminhar entre multidões procurando em absoluto desespero e inútilmente reconhecer entre os milhares de vivos, nossos mortos, os rostos perdidos que jamais tornaremos a ver nas ruas e nas praças ,entre sombras?
Esses nossos finados que insistem em não desmorrer nunca, apesar de nossos apelos, mas que vivem e habitam meus sonhos e, ao contrário, me chamam em coro sem voz e recorrente e me convidam para que morra também nos sonhos dos que já sonham sem vida.
Tenho deles todos, ao deitar na relva silvestre que me abrigará como campa, uma presença imensa e uma saudade eterna como parte de mim, do meu coração triscado e alma imortal que em tudo me supera.
E tenho ainda meu tesouro. a noite de incontáveis e vagas estrelas que bordam o manto celestial, azul noturno ,as muitas constelações como vias dolorosas, um véu de nosso repouso definitivo e manso, e a mortalha enobrecida e comum de nossa tristeza, da cerimônia do Adeus e do silêncio, que chegará como uma pátria e destino inelutável dos que nascidos para morrer renasceram no Amor em que creem e é todo Vida, semente e fruto da magia da Esperança.
Quando nosso pó se espalhar pelos campos floridos ou na capa de um cavaleiro solitário,ali estará um pouco da nossa memoria,ou em alguma foto amarelada,,,é fazer o que.
Grande José Maria, que inspiração a tua de garimpar no veio da saudade essa gema dos nossos finados que insistem em “desmorrer” nunca… iluminadas as tuas palavras de fé e esperança! Valeu mesmo!