por Elio Gaspari
Tudo indica que hoje o Ministério Público colocará o procurador-geral Rodrigo Janot na cabeça da lista tríplice a ser encaminhada à doutora Dilma, e que ela remeterá seu nome à apreciação do Senado. Os Pais da Pátria têm poderes constitucionais para rejeitá-lo, ou mesmo para cozinhá-lo em fogo brando. Se fizerem isso, colocarão a Casa em oposição à faxina que vem sendo feita na administração do país. Aí sim, estará criada uma crise, a da desesperança e da revolta diante do escárnio.
Não há contra Janot um fiapo de acusação por práticas irregulares. Ele, a Lava Jato e os procuradores mostraram que trabalham na defesa da moralidade pública. A ideia de que Janot esteja a serviço do Planalto é ridícula. Se as investigações chegaram a hierarcas de outros partidos, sobretudo do PMDB, isso nada tem a ver com o Palácio, mas com a biografia de cada um deles. Pior: cada hierarca sabe onde o Ministério Público achou seu rabo preso. A tática de fugir atacando fracassou.
O que está acontecendo no Brasil foi antecipado pelo juiz Sergio Moro num artigo de 2004, tratando da “Operação Mãos Limpas”, que revolucionou a política italiana no final do século passado. Vale citá-lo:
“A Operação Mani Pulite redesenhou o quadro político na Itália. Partidos que haviam dominado a vida política italiana no pós-guerra, como o Socialista e a Democracia Cristã, foram levados ao colapso, obtendo na eleição de 1994 somente 2,2% e 11,1% dos votos, respectivamente.” Os dois partidos deixaram de existir com esses nomes e o primeiro ministro socialista Bettino Craxi morreu no exílio, na Tunísia.
Muita gente boa argumenta que, depois da “Mãos Limpas”, surgiu o fenômeno Silvio Berlusconi, um magnata das comunicações larápio, cínico e vulgar. Ele ficou nove anos no poder, apanhou na rua, sofreu várias condenações e blindou-se. Mesmo assim, hoje a política italiana é outra, mais honesta e menos ridícula.
Se o Senado resolver dificultar a recondução de Janot, terá o seu “Momento Berlusconi”, mostrando que nada se pode fazer contra a oligarquia política brasileira. Na Itália, a máfia explodiu o juiz Giovanni Falcone, que comandou a “Mãos Limpas”.
Desde o início da Lava Jato fabricaram-se fantasias. Não havia corrupção, mas extorsões contra as empreiteiras. As prisões seriam uma forma de tortura e as colaborações seriam produto da coação. O juiz Moro não chegaria à Odebrecht. Marcelo Odebrecht está na cadeia, a Camargo Corrêa colabora com o Cade, 12 maganos confessaram suas tramoias e há uns tantos na fila. A adesão de Renato Duque parece próxima, a de Léo Pinheiro, possível. Ambos sabem coisas que os oligarcas não querem lembrar.
Na ponta do lápis, colaborar com a Viúva tornou-se um bom negócio. Os condenados pelo juiz Moro são homens com mais de 60 anos e suas carreiras acabaram-se. Todos têm patrimônio legal capaz de lhes proporcionar uma casa em Angra dos Reis (para quem não a tem), com piscina, quadra de tênis e espaço para exercícios. Cabe-lhes escolher entre essa vida, com tornozeleira, ou o risco de passar um par de anos em regime fechado, pensando no dia em que poderão pedir o regime semiaberto. Até agora, só João Auler, da Camargo Corrêa, comprou esse boleto.
*Publicado na Folha de S.Paulo