7:1083 ANOS

por Sergio Brandão

Ela já caminha bem lentamente. Sair de um cômodo da casa até outro, demora um pouco mais. Uma das pernas arrasta bastante. A coluna está levemente arcada, também de cabeça um pouco baixa. Todas as posições daquele corpo dão a ideia de humildade. Parece um louva-a-deus, com aqueles braços compridos e as pernas finas e também longas.

Às vezes a cara é feia, mas é de dor. A perna dói, mas não reclama. Foi ensinada assim. Desde criança aprendeu o que estava escrito na cartilha da escola de um colégio de freiras, onde estudou: “Que não se devia reclamar da vida porque a vida foi dada por Deus e isso é uma benção”.

Em casa, desde criança, também não teve moleza. Os cinco irmãos mais novos foram sustentados pela minha avó, que ficou viúva cedo, e a filha mais velha, minha mãe, teve que trabalhar pra ajudar em casa.

Também se casou cedo, teve filhos e a vida se transformou num trabalho só – como sempre foi. Nunca houve novidade em trabalhar, nunca soube que houvesse outra vida que não fosse aquela que vivia. Mesmo depois de casada, ainda foi aprender a cortar cabelo, vender roupa, aprendeu a tricotar, cozinhar… para ajudar no orçamento de casa.

Foi com esta luta, com estas dores que aprendeu as manhas de levar a vida. Ajudaram a suportar os tropeços que teve no meio do caminho. Um deles, foi a perda de um filho, com 12 anos, aliás a mesma idade que tinha quando perdeu o pai.
Hoje, estas dores até deixaram aquele olhar um pouco mais sereno. Ele parece confirmar as ordens que vem de todo o resto do corpo, com as limitações que a vida anda lhe impondo e ainda ensinando.

Nesta semana minha mãe completa mais um ano. Apesar da idade, ainda busca respostas para algumas coisas que até hoje não consegue entender. Veio vivendo como todos nós, mas com uma dignidade que vi em poucos.

Veio fazendo disso uma parceria com a vida, que algumas vezes achei que não daria certo, mas deu. Chegaram juntos até aqui –  e aos 83 anos se entendendo melhor do que podia.

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