de Ticiana Vasconcelos Silva
Difícil descrever esse sentimento quando não se sabe de onde vem. Os poetas são exímios investigadores de todos os tipos, expressões e nuances de sentimentos, especialmente da tristeza. E acabam descobrindo que ela não existe, que é uma grande ilusão. A maior de todas, talvez.
Mas algo os chama para saber de onde emana essa dor, essa melancolia, esse torpor. E, para mim, isso se chama saudade. Saudade de não se sabe o que que não se sabe de onde vem. A solidão e o vazio preenchem todas as esferas do ser. Há algo fora do compasso, pois os passos estão fracos, não dançam mais com a música sublime do horizonte.
Quando essa tristeza bate, até dá uma certa alegria, porque já se sabe o que vai se extrair dessa desarmonia: a sabedoria. O conhecimento só é oculto porque não o vemos. Somos ignorantes da ignorância e martelamos nossos dedos nos mesmos pontos até que eles, de tão machucados e dormentes, já não reagem mais.
Quando a dor volta a incomodar, é porque algo ainda está vivo e é essa própria vida que, através da dor, nos traz a lembrança de que ainda há uma chance de recuperação. Ela, por si só, faz com que tudo volte a ser como sempre foi e será. Não é precio fazer mais esforço, não é preciso mais martelar, basta apenas deixar que ela nos traga de volta a essência que faz com que tudo seja perfeito. E então a dor que nos chamou para reconhecer sua origem, nos revela o seu oposto secreto: a vida.
Não sinto mais saudade, nem solidão. O vazio agora é preenchido de verdade.
*Escrevi isso depois de ler a seguinte poesia de Cruz e Sousa:
Tristeza do Infinito
“Anda em mim, soturnamente,
uma tristeza ociosa,
sem objetivo, latente,
vaga, indecisa, medrosa.
Como ave torva e sem rumo,
ondula, vagueia, oscila
e sobe em nuvens de fumo
e na minh’alma se asila.
Uma tristeza que eu, mudo,
fico nela meditando
e meditando, por tudo
e em toda a parte sonhando.
Tristeza de não sei donde,
de não sei quando nem como…
flor mortal, que dentro esconde
sementes de um mago pomo.
Dessas tristezas incertas,
esparsas, indefinidas…
como almas vagas, desertas
no rumo eterno das vidas.
Tristeza sem causa forte,
diversa de outras tristezas,
nem da vida nem da morte
gerada nas correntezas…
Tristeza de outros espaços,
de outros céus, de outras esferas,
de outros límpidos abraços,
de outras castas primaveras.
Dessas tristezas que vagam
com volúpias tão sombrias
que as nossas almas alagam
de estranhas melancolias.
Dessas tristezas sem fundo,
sem origens prolongadas,
sem saudades deste mundo,
sem noites, sem alvoradas.
Que principiam no sonho
e acabam na Realidade,
através do mar tristonho
desta absurda Imensidade.
Certa tristeza indizível,
abstrata, como se fosse
a grande alma do Sensível
magoada, mística, doce.
Ah! tristeza imponderável,
abismo, mistério, aflito,
torturante, formidável…
ah! tristeza do Infinito!”
caro, é sempre bom reconhecer a beleza de um texto recheado de provocações…a ticiana faz bem isto…é isso…