De meu quarto no quarto andar deste pensionato observo as formigas humanas na rua. Um bonde sobe pela Primeiro de Maio, também chamada Rua Santo Antônio. Vai fazer a curva à direita e ladear a Praça da Batalha, e daí tomar rumo para mim desconhecido. Na praça cruzará com o bonde que desce pela Rua Santo Antônio na direção da Igreja dos Clérigos. A tarde está com sono e logo permitirá que a noite desça sobre o Porto e acorde as gaivotas que latem e miam como se fossem cães e gatos, perturbando meu sagrado sono. A última luz do dia faz brilhar a Igreja dos Clérigos, e bem que gostaria de ir até lá, passear pela Cedofeita, visitar a Livraria Lello. Mas, estou cansado das andanças de hoje. Subi rampas, desci rampas, bebi muito vinho, andei muito a pé quando poderia ter usufruído do conforto de um desses eléctricos. Li um pouco de Mário de Sá-Carneiro e me senti derrotado. Há momentos proibidos para se ler Sá-Carneiro, e um desses momentos é quando o dia já não é dia e a noite ainda não é noite. É quando o poeta aproveita teu deslize de lê-lo nesses momentos e busca te arrastar para baixo. Outro dia me pareceu tê-lo visto comprando frutas na Rua Santa Catarina, perto do Grande Café. Foi uma visão rápida como um tiro. Nem pude lhe dizer: “Como está passando, Senhor Sá-Carneiro”, que logo desaparecia no meio da multidão.