por Eduardo Afonso
Quase 50 anos separam as declarações de que as redes sociais dariam voz a uma legião de imbecis e que chegaria o dia em que todos teriam seus 15 minutos de fama.
Teria Andy Warhol vislumbrado a internet e a cultura dos conspiracionistas? Ou pensava apenas nas subcelebridades instantâneas e deu a deixa para Umberto Eco ampliar o escopo da profecia, de modo a incluir a infâmia?
A palavra “imbecil”, em sua origem, designava “o que não se aguenta de pé”. Por extensão, foi aplicada aos tolos, àqueles cujas ideias não se sustentam. Isso antes de o insustentável ganhar fama e um megafone virtual para apregoar suas elucubrações.
A verdade pode ser enunciada de forma límpida. A mentira, para convencer, precisa ser cheia de cantinhos. Daí as teorias da conspiração serem tão elaboradas: quanto mais estapafúrdias, mais poderosas. Elas consistem num sistema dotado de razoável coerência, em que se estabelece um encadeamento lógico entre (falsas) causas e (discutíveis) consequências — ou vice-versa. E são tão caras aos imbecis por lhes dar a ilusão de deter conhecimento — diferentemente do pensamento mágico, que não exige muita coordenação motora dos neurônios. O até então in bacillum (literalmente, “sem cajado”) se sente apoiado por um arremedo de razão.
O Sapiens — ensinou Yuval Harari — é capaz de se unir em tribos graças à ficção partilhada. A conspiração tem o mesmo propósito: congregar os imbecis em torno de coisas “que só eles sacaram”: a Nova Ordem Mundial, a Big Pharma, os reptilianos, a existência de fascistas no armário e de comunistas embaixo da cama.
Algumas conspirações são inócuas (o terraplanismo, os teóricos dos antigos astronautas), mas é por causa dos “antivax” que sarampo e poliomielite — quase erradicados — estão voltando. E que a Covid-19 faz mais vítimas do que seria de esperar numa época em que se sabe tanto de virologia e infectologia. Negar a doença continua sendo o mecanismo de defesa preferido por quem não consegue lidar com a angústia que ela provoca.
Há hoje excesso de informação e escassez de compreensão. Sabemos que o cientista tem crenças e expectativas — por isso, experimentos precisam ser replicáveis e estudos passam por revisão. Há um método, que valida — ou não — o que a ciência produz. O imbecil tem ligação emocional com a conclusão. Tudo é arquitetado para confirmar sua hipótese. O que não convém é adulterado ou descartado.
Quem cria notícia falsa ou teoria conspiratória desconstrói os fatos e os rearranja numa narrativa que lhe seja favorável. Quem compartilha — sem verificar as fontes — tem consciência, intimamente, dessa falsidade. Acredita na mentira que é de seu interesse. Desmascarado, cria nova conspiração contra os mecanismos de checagem de conteúdo.
A internet, segundo Eco, “promoveu o idiota da aldeia a portador da verdade” — do seu simulacro de verdade, agora com audiência amplificada. Resta saber quanto tempo ainda vão durar — e a que custo — esses 15 minutos de fama.
*Publicado no jornal O Globo