por Mario Sergio Conti
Mal-aventurados os mansos, porque ficarão sem vacina e comerão o pão que Bolsonaro amassou
Bem-aventurados os que creem em Cristo como as crianças no coelhinho da Páscoa: de brincadeira, de vez em quando, até os sete anos.
Bem-aventurados os que descreem do pecado original, da Santíssima Trindade, da Imaculada Conceição, da infalibilidade papal, da ressurreição dos mortos, da peste acima de todos e do apocalipse acima de tudo.
Desventurados os que condescendem com o misticismo, pois principiam por estudar Agostinho e acabam embolados com Nostradamus, ou depositando ouro nas burras do es tuprador João de Deus –como tantas sumidades do Supremo, faróis das finanças, intelectuais iluministas.
Bem-aventurada a alegre orquestra dos descrentes, que toca a música que faz dançar a vida.
Mal-aventurados os sedentos de superstição, pois morrerão desiludidos no lúgubre reino da realidade.
Exultai e alegrai-vos, vós que não prescindistes nem prescindireis jamais da segunda pessoa do plural.
Bem-aventurados os que sabem que os últimos não serão os primeiros; os últimos serão os últimos.
Bem-aventurados os que se revoltam mesmo tendo ciência que a derrota é provável, e que nem por isso será uma coroa de glória.
Mal-aventurados os mansos, porque ficarão sem vacina e comerão o pão que Bolsonaro amassou.
Desafortunado o pontífice que com coração de pedra recusou sua bênção aos homossexuais.
Se o vosso senso de justiça não exceder o de FHC-Pilatos, de Barrabás-Guedes e de Caifás-Lira, que urdiram um pacto para manter Satanás no seu trono, nunca que ficareis junto aos justos no Juízo Final.
Malsinados os dedos-duros, os que traíram seus irmãos e se venderam por 30 moedas.
Que afundem num poço de peçonha os Judas que se regozijam por não serem malhados no Sábado de Aleluia: Antonius Palocci e Johannes Santana.
Em verdade vos digo que não é preciso matar vosso irmão para se assenhorar dos tesouros de Vera Cruz; basta arrancar-lhe a última camisa.
Amaldiçoados os que garantem execrar Lúcifer, mas não agem para aniquilá-lo, pois que são cúmplices no massacre de inocentes que se repete mês a mês, dia a dia há mais de um ano.
Desditosos os que garantem que escravocratas e torturadores serão castigados no futuro. Desde sempre os que chicotearam e arrancaram unhas com alicate dormiram o sono sem sobressalto dos opressores —no Império, na República Velha, no Estado Novo, na ditadura, na Nova República, no Tucanistão e na Lulolândia.
A justiça tem que ser imposta agora, a ferro e fogo, ou perdurará “per omnia saecula saeculorum”.
Não odiai nem temei vossos inimigos porque isso perturba o espírito; a frieza é mais forte que a raiva e o medo.
Bem-aventurado o profeta, pois proclamou que ter fé é acreditar no que se sabe ser mentira.
Bem-aventurados os que sabem que em 2022 haverá muitos chapéus e poucas cabeças, mas até lá o sertão vai virar mar e o mar vai virar sertão.
Que uivem para sempre numa ilha em chamas os que levaram na mandíbula chinelos para o Pata-de-Bode. Azevedo rosnou alto para o Supremo da janela de um helicóptero; Moro ladrou fino para a tropa de dentro de um tanque.
Maldita a prole de potros do Pangaré, não por descender dele, mas por ter se refastelado em milícias e rachadinhas por livre-arbítrio.
Desgraçado o apóstata que abjurou o Senhor e se fez batizar no rio Jordão pelo charlatão Everaldo, o seu cupincha ora preso por assalto às arcas do Estado e lavagem do vil metal em viagens a Israel.
Amaldiçoados os apáticos, os pusilânimes, os que afivelam a armadura da indiferença na alma, os “faria limers” que recitam a ladainha “Privatiza Pro Nobis” –e assim permitem que Satã exale enxofre da Cidade de Deus a Paraisópolis.
Miserável o Vale de Lágrimas, no qual da primeira missa até a Páscoa da peste houve apenas 666 minutos de decência –e nem seis de heroísmo.
Bem-aventurado o que adota um modo de vida afeito a suas crenças, e amaldiçoado o que quer impor suas crenças a todos, não importam os meios.
Abomináveis os que se dizem apolípticos para disfarçar que são de direita.
Em verdade vos digo, os centuriões que sucederam Moreira César são brancos ferozes, exímios em matar negros de Havaianas –como no Haiti sob as botas de Augusto Heleno, Edson Pujol, Azevedo e Silva e Santos Cruz.
Vinde a mim os valentes, pois aceitam com o mesmo ânimo a derrota e o triunfo.
Bendito o que pensa contra si mesmo.
Bem-aventurados Machado, Borges e Carrère, que já fizeram essa paródia.
Quanto ao Inútil, lançai-o nas trevas, onde haverá choro e ranger de dentes —Mateus, 25:30.
*Publicado na Folha de S.Paulo
Eu era feliz quando acreditava em papai Noel,coelhinho da Pascoa e viajava nos contos Allan Poe,sempre ficava espreitando a taramela da porta na casinha humilde onde morava-mos com medo da mula-sem cabeça adentrar enquanto dormimos.
Eu jamais acreditei no lobo mal, estória de João e Maria até conhecer o Brasil pós lava jato.
Texto muito bem escrito, só uma observação:
Cada um escreve o que reconhece bem, e só se reconhece bem o que se tem dentro de si.