8:53Os quilombos, o Amapá e a consciência negra

por Roberto Salim

Em meio a essas notícias ruins e ao desprezo governamental pelo potencial turístico desse estado com sua Natureza plena, algumas boas revelações: a dança dos Tambores de Marabaixo foi elevada à condição de Patrimônio Histórico e Cultural Imaterial e no esporte o Quilombo do Curiaú, com seus 1.600 habitantes de seis vilas, se destaca no futebol e no atletismo

Quando você sai de Macapá e pega a BR 070, pode ter certeza de que vai chegar ao Quilombo do Curiaú. E eu não esqueço esse trajeto. Nem a chegada ao lugar onde toda a ancestralidade do nosso povo está presente: ali na Vila do Curiaú de Baixo. Tive o privilégio de conhecer o nosso Brasil bem de perto nos anos em que viajei ao lado do Ronaldo Kotscho fazendo reportagens para o programa Histórias do Esporte, da ESPN Brasil.

Foram no mínimo 15 anos de lições diárias de cidadania e conhecimento de nosso povo.

De perto. 

Mostrando o esporte, como ele ajuda na formação da juventude. E mostrando o país.

Como ele é!

No Amapá gravamos o futelama (futebol jogado à beira do Rio Amazonas), o basquete na lama, estivemos no Estádio Zerão, entrevistamos o ídolo artilheiro Jasson Rodrigues, que jogou em 1982 em um Flamengo de sonhos e foi campeão mineiro pelo Atlético de Telê Santana, com direito a gol do título contra o Cruzeiro; fomos ao Oiapoque e vimos o que é a Natureza exuberante do nosso país.

Mas nada se compara à sensação de viajar no tempo e descobrir aqueles descendentes dos pioneiros que chegaram à região em 1711. Eu me lembro de outras reportagens em quilombos no Maranhão e Minas Gerais, mas lá na capital do Amapá foi diferente.

Primeiro porque fomos gravar imagens da tradicional dança dos Tambores de Marabaixo. Gravamos no campo de futebol da Vila São José, onde um dos jogadores pertencia ao grupo do Centro Cultural do Curiaú.

O jogador e a jovem que dançou com ele explicaram a origem da dança.

“Nos navios que traziam nosso povo escravizado, as pessoas dançavam nos porões arrastando os pés, pois estavam presos às correntes.”

A dança é de arrepiar.

De lamento. Mas de resistência.

Estou falando do Amapá por causa do apagão, da falta de água potável para a população, dos alimentos estragados pela falta de energia elétrica.

“As coisas não melhoraram muito em nosso estado, mas já existe a expectativa de que até o fim da semana o sistema seja restabelecido”, afirmou Jozineide Araújo, moradora do Curiaú que de 2008 a 2016 foi responsável pela Associação da Comunidade.

Hoje ela é do Conselho Estadual de Cultura e até antes do início da pandemia tentava a restauração do prédio do Centro Cultural (onde aconteciam as atividades culturais e as festas religiosas do lugar) e do deque panorâmico, lugar de rara beleza à beira do rio.

“Infelizmente, está tudo abandonado. Tomado pelo mato. Fizemos muitas reuniões, a reforma do Centro Cultural e do deque foi discutida em assembleia, mas com a pandemia tudo foi esquecido.”

Em meio a essas notícias ruins e ao desprezo governamental pelo potencial turístico desse estado com sua Natureza plena, algumas boas revelações: a dança dos Tambores de Marabaixo foi elevada à condição de Patrimônio Histórico e Cultural Imaterial e no esporte o Quilombo do Curiaú, com seus 1.600 habitantes de seis vilas, se destaca no futebol e no atletismo.

“Temos hoje o meia-esquerda Carlos Henrique, da equipe Sub-20 do Fluminense do Rio, e a Natiara Amaral, uma menina de 14 anos. Quanto à jovem do atletismo, ela acabou perdendo a chance de se transferir para uma equipe do sul do país, pois não foi avisada a tempo do convite.”

O investimento no esporte e na educação é fundamental.

“E no potencial turístico de nossa região”, aposta Jozineide Araújo, lembrando que resistir é preciso. E nunca se esquecer disso: principalmente nesta semana da Consciência Negra.

*Publicado no site Ultrajano

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