por Thea Tavares
Daí, você está olhando para a TV e presta a atenção em um comercial que, a princípio, soa muito razoável:
“Sei que você está se cuidando”…
Nesses isolamentos da vida, não recrimine ninguém por trocar umas ideias com seu aparelho de TV, tá? Como diz aquele meme de rede social – sinônimo atual para verdade universal incontestável -, o problema nem é você conversar com as plantas ou com os objetos em casa, mas eles começarem a lhe responder.
“Sei que você está se cuidando”…
– Opa! Estou. Acredito que sim.
“…Saindo à rua só quando precisa”…
– Bem isso!
“…usando máscara, álcool gel, lavando as mãos”…
– Como é que você sabe?
“Mas”…
Sempre tem um “mas”.
A próxima parte do comercial não é reprodução literal, mas interpretação, de memória.
“Se nada disso funcionar”…
– Eita! A propaganda era de um plano funerário.
Nem dá para reclamar do senso de oportunidade do marqueteiro que bolou essa peça genialmente desagradável. O fato de estarmos aqui, lembrando dela, é a prova de que o “reclame” funciona.
Por falar em lembrança, me vem à cabeça a imagem do tiozinho da Bíblia, personagem que ronda o Centro Cívico de Curitiba, sempre berrando recados aos deputados na porta da Alep ou às autoridades das demais repartições públicas na Praça Nossa Senhora da Salette.
Ninguém das redondezas estranha os arroubos dele, visto que todo mundo que frequenta as imediações é forte candidato, com alguns anos a mais de interações e de convivência por aquelas bandas, à vaga do Zé da Bíblia. Ela nem precisa ficar ociosa, a exemplo do Oil Man, outro personagem folclórico do nosso cotidiano na terra de Nossa Senhora da Luz dos Pinhais, cujos discípulos já se multiplicam por geração espontânea.
Mas, voltando para o Zé da Bíblia, a última vez que o vi foi há exatos 110 dias, também último dia de expediente na “firma”. Saí numa leva enquadrada como grupo de risco pelos fatores idade, doença pré-existente e baixa imunidade. Depois do backup dos arquivos que iria precisar no “tár” de home office, fui para a rua, com as prosas do almoço ainda ocupando os pensamentos.
O clima era de incertezas diante do que os dias, semanas e meses futuros trariam até que pudéssemos retornar ao trabalho como o entendíamos então. Havia medos desse contexto inédito que enfrentaríamos e muita apreensão, sim, a respeito de perguntas sobre se sobreviveríamos, se perderíamos pessoas do nosso convívio, trabalho e renda, entre outras. Só papo leve assim! Dava para perceber nos olhos dos outros o tamanho do desespero e era possível sentir o peso das nossas inquietações.
Mal tinha tocado o primeiro degrau da saída do prédio administrativo, quando a voz do tiozinho retumbou na praça e me sacudiu inteira, quase me derrubando sobre o mármore da portaria: – Você vai morrerrrr! Em meio ao pânico, respondi como se estivesse dentro de uma reunião ministerial: – @#$%¨&*()_)(*&¨%$#@. Grunhi um baita palavrão! Que me perdoe a progenitora do homem, mas a melhor defesa, no impulso do momento, foi aquele ataque. E foi uma catarse.
Só quando consegui recobrar o controle das batidas do coração, da respiração e até do riso (nervoso) é que percebi nos “gritedos” do Zé para as autoridades o mesmo senso de oportunidade desagradabilíssimo do comercial do plano funerário. Nesse alerta do tiozinho, porém, havia um chamado para a responsabilidade que, especialmente naqueles espaços institucionais, as autoridades do poder público teriam de ter para pensarem nos próprios cuidados e também nas decisões que poderiam implicar em menor ou maior carga de sofrimento para a população como um todo. Ele bradava para ouvidos que se voltam pra dentro, mas também para a audição das dores lá fora. Era um apelo para se prestar atenção ao coletivo que reside no conceito de humanidade. Hoje, lamentamos por mais de 60 mil vezes o fato de que poucos o escutaram.
Perguntar não ofende. Desde que o uso de máscaras tornou-se obrigatório, disparou o número de casos de covid-19 em Curitiba. Por quê?
Observo da minha sacada onde moro a 35 anos,as vezes penso nos primeiros transeuntes que ali passaram e eu os vendo seus trejeitos,seu modo de andar,me acostumava com eles,todos os dias ,a mesma rotina.
Notava que eles se modificavam,não passou mais aquele do chelique,nem o recitador de frases bíblicas,mas outros tomavam seus lugares,a alameda antes raça,hoje a ror se espremia nas calçadas.
Nesses 35 anos,quantos se foram,quantos mudaram e na frente da sacada só aumenta o movimento,seria como uma arvore que tomba e nasce milhares de arbustos em seu redor.
Vamos continuar observando,afinal o mundo é dos curiosos,
Noto também que preciso urgente de um óculos com mais graduação.
Marlus, será que não tem mais nenhum outro fator associado à sua pergunta? Se usar a máscara pendurada na zoreia, como a gente vê exemplos por aí, não funciona mesmo… em busão abarrotado de gente, sem manter distanciamento, em aglomerações, nas raves, daí, é atribuir muita responsa pra máscara sozinha. Além do quê, é pra quando sair de casa, por limitação de tempo, com vários cuidados, a exemplo de não colocar as mãos no rosto, entre outros… A máscara é apenas uma das formas de precaução. Minha opinião leiga apenas, assim como a sua (a menos que você me diga que é um cientista da área): enquanto não houver vacina, antídoto, e os hospitais estiverem com sobrecarga de atendimento, o melhor cuidado ainda é (se possível) ficar em casa!
SS, que mundo chato seria o nosso sem o olhar e a narrativa dos curiosos, né? Aliás, nessa temporada de “retiro”, a observação é a melhor das companhias!